Andrea Monda*
16 fevereiro 2023
“Comover-se”. A expressão verbal em italiano diz precisamente a verdade desta realidade humana, requintadamente humana: comover-se não é tanto sentir, quanto mover-se. Com efeito, «a compaixão» «não é um sentimento», é este o pensamento do Papa Francisco expresso muitas vezes e repetido também durante a recente viagem à África.
Pode parecer uma frase forte, cativante, quase chocante para a sociedade ocidental contemporânea, impregnada de um sentimentalismo generalizado. Se hoje procuramos pedir uma definição do amor (irmão da compaixão), a resposta imediata será certamente uma: o amor é um sentimento. E isto traz consigo não poucas consequências. Vemos algumas delas todos os dias: a crise das relações humanas, que se tornaram tão frágeis, fracas, errantes, precisamente como errante é o sentimento.
Outra consequência é a perda da visão. Na década de 1960, a escritora católica Flannery O’Connor observa com a sua linguagem direta e mordaz que numa sociedade impregnada de sentimentalismo «ganhamos em sensibilidade e perdemos em visão. Se sentiam menos, outras épocas viam mais, embora vissem com olhos cegos, proféticos e insensíveis à aceitação, ou seja, à fé. Agora, na ausência desta fé, somos governados pela ternura. Uma ternura há muito tempo desapegada da pessoa de Cristo, envolta na teoria. Quando a ternura se separa da fonte da ternura, a sua consequência lógica é o terror. Termina nos campos de trabalhos forçados e nas fumaças das câmaras de gás».
É justo e humano ter sentimentos fortes, mas é ainda mais justo ter consciência de que o sentimento nos emociona e pode chegar a ponto de nos cegar, enquanto o amor não (só) sentimental, permite-nos ver melhor as coisas e as pessoas, exatamente como elas são, e acima de tudo, mover-se na sua direção. «A compaixão faz-nos ver as realidades tal como elas são», disse o Papa na homilia em Santa Marta a 17 de dezembro de 2019, «a compaixão é como a lente do coração: faz-nos realmente compreender as dimensões. E nos Evangelhos, Jesus compadece-se muitas vezes. A compaixão é também a linguagem de Deus».
O amor e a compaixão esmagados pelo sentimento são frutos de uma abordagem ideológica, no sentido de que um elemento, verdadeiro mas parcial, de uma realidade é absolutizado: portanto, o amor seria tout court sentimento, nada mais. Ao contrário, é mais do que isso.
O génio de Dante intuiu-o muito bem no seu grande poema sobre o amor, no seu amor por Beatriz, que se conclui com o famoso verso: «O amor que move o sol e as outras estrelas». O amor é este poder divino.
Mais uma vez o verbo “mover”. Comovemo-nos porque somos movidos, comovidos. Portanto, somos compassivos porque somos movidos pela compaixão, bem como pelo amor; ambas são virtudes, não no sentido de que são fruto das nossas capacidades mas, pelo contrário, são uma “força” (virtus, em latim) maior do que nós, que nos alcança como um dom que nos permite fazer coisas muito maiores do que faríamos apenas na onda da emoção ou do sentimento. O amor constante, tenaz, de uma mãe pelos filhos é um exemplo desta força oblativa tão livre e tão pouco ligada ao mero sentimento.
A questão é que o Papa Francisco tem em mente, e não poderia ser de outra forma, a compaixão e o amor de Jesus, que «nos ensina que a compaixão, o amor, não é um sentimento vago», disse na sua catequese de 27 de abril de 2016, «mas significa cuidar do outro a ponto de pagar pessoalmente». E quatro meses mais tarde, a 17 de agosto, reiterou-o, observando que «a compaixão de Jesus não é um sentimento vago; ao contrário, mostra toda a força da sua vontade de estar perto de nós e de nos salvar. Jesus ama-nos tanto, e quer estar perto de nós [...] O Senhor satisfaz as necessidades dos homens, mas quer fazer com que cada um de nós participe concretamente na sua compaixão».
Tal compaixão não é um suplemento, mas a própria essência de uma existência que seja verdadeira e plenamente humana; é o que Dostoievski pensa, quando afirma em O Idiota: «A compaixão é a mais importante e talvez a única lei da vida de toda a humanidade» e no mesmo romance dá uma sua definição perfeita: «Não requer paixão, mas compaixão, ou seja, a capacidade de extrair do outro a primeira raiz da sua dor e de a fazer própria sem hesitação». Para este trabalho de “extração”, no entanto, primeiro é necessário ter uma visão que corre o risco de se perder quando o sentimentalismo ou, pior ainda, o moralismo é desenfreado. O teólogo Dietrich Bonhoeffer era muito claro a este respeito: «Devemos aprender a considerar as pessoas menos à luz do que fazem ou se esquecem de fazer, e mais à luz do que sofrem».
Portanto, descerremos os olhos, mantendo-os lúcidos e abertos aos olhos dos outros, para descobrir os seus sofrimentos e viver aquela realidade exclusivamente humana que é a arte da compaixão.
*Jornalista e scrittore italiano, direttore de L'Osservatore Romano .
Fonte: https://www.osservatoreromano.va/pt/news/2023-02/por-007/o-momento-da-compaixao.html
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