Escritor e poeta transformou suas redes sociais em um consultório amoroso em que tira dúvidas de seguidores e diz que precisamos naturalizar a rejeição
Amauri Arrais 26 de Março de 2023
Quem já leu algum dos livros de Fabrício Carpinejar ou acompanha o escritor nas redes sociais sabe que o amor e a amizade são seus temas preferidos. Quase sempre aparecem como sentimentos complementares nos aforismos que ele escreve todas as manhãs, há mais de uma década, muitas vezes em guardanapos de papel. Mas e a paixão?
“A paixão é uma suspensão de toda a sua potência. Você concorda com tudo, acha tudo agradável, não diz quais são seus gostos, as suas fobias, restrições. É uma concordância prévia, um blecaute. É por isso que ela é febril, obsessiva. Tanto que não pode durar muito tempo, senão a pessoa enlouquece. Exige muito da saúde emocional”, ele diz, com sua fala pausada, como se recitasse um de seus poemas.
Não que o escritor seja contrário ao sentimento. Nos últimos anos, ele realizou lives, que chamava de “Procon do Amor”, e transformou suas redes sociais em uma espécie de consultório amoroso, em que tentava ajudar os seus mais de 1,8 milhão de seguidores. Na maior parte das vezes, conta, pessoas apaixonadas com pouco ou nenhuma disposição para lidar com a rejeição.
“Temos uma convicção romântica de que o amor acontece várias vezes ao ano. E não é verdade. O amor, a paixão, são raros. Nós banalizamos a paixão, mas ela é difícil de acontecer”, afirma. Para Carpinejar, isso acontece em parte pelo imediatismo que se quer das relações em tempos de aplicativos de encontro. “Se prioriza o sexo como o portal de um relacionamento, quando a porta é a amizade. Não existe nada mais sensual na vida do que a compreensão, do que ser ouvido.”
Na conversa com Gama, o poeta e escritor, que tem 50 livros publicados, fala ainda de como a paixão pela escrita o salvou quando tinha 7 anos e foi afastado da escola por ter dificuldades de aprendizagem e sofrer bullying. “A escrita é a vingança dos tímidos. Com ela, eu não precisava mais me esconder, acolhi meus limites como se fossem trampolins, perdoei minhas versões anteriores. Hoje sei que fiz o possível naquela época.”
- G |Uma de suas famosas frases escritas em guardanapos dá uma definição interessante de paixão: “Paixão é dividir o mundo. Amor é dividir a casa”. Por que?
Fabricio Carpinejar |
A paixão é um amor público. É o amor da saída, dos passeios, da exposição. Você mal fica em casa, mal fica no sofá. Existe uma necessidade de mostrar os seus lugares prediletos, o que você frequenta, de ser agradável, de ser badalado, de ser conhecido. A paixão é aquele transe da vaidade. O amor já é quando você conhece os defeitos do outro. O amor é um julgamento: você sabe que o outro tem problemas, mas soma com as virtudes e vê se vale a pena continuar. É uma decisão. Já a paixão pode ser apenas um confinamento do corpo, a atração.
- G |Além dos seus livros, colunas e apresentações pelo país, você vem usando suas redes sociais como uma espécie de consultório amoroso, respondendo dúvidas de seguidores apaixonados. Quais são as principais dúvidas ou queixas?
FC |
A principal queixa é de pessoas que sabem que não estão sendo amadas, não estão sendo correspondidas ou que foram abandonadas e querem acreditar que aconteceu um imprevisto de força maior. É uma dificuldade de ser rejeitado. As pessoas não acreditam nos sinais. Acham que ainda há esperança quando tudo indica o contrário: a pessoa se afastou, não responde mais mensagens. Existe uma crença de que a pessoa pode estar a fim de um jeito torto ou que aconteceu algo que fez ela desaparecer. Tudo isso acontece porque temos uma convicção romântica de que o amor acontece várias vezes ao ano. E não é verdade. O amor, a paixão, são raros. Nós banalizamos a paixão, mas ela é difícil de acontecer. Não existe uma naturalidade da rejeição. A gente pensa que todo mundo tem a obrigação de nos amar e não é assim que acontece.
- G |Muitas pessoas que te procuram relatam ter se apaixonado por alguém via aplicativo de encontro. O que se ganha e o que se perde com essa forma de aproximação tão onipresente hoje?
FC |
Eu vejo que não se pode esperar tudo de uma relação casual. O que a gente pode esperar de encontros por aplicativo é uma amizade. Só que as pessoas vão para o aplicativo querendo um relacionamento e vem a frustração. Se a pessoa não combina, nem se dá chance para uma amizade. Se ela não se enquadra nos seus pré-requisitos, você não conversa com ela. Os aplicativos funcionam exclusivamente pelas aparências, não existe um meio termo. A pessoa pensa que tem que ser um encontro às ganhas, não para conversar, se divertir, para rir. Se prioriza o sexo como o portal de um relacionamento, quando a porta de um relacionamento é a amizade. Não existe nada mais sensual na vida do que a compreensão, do que ser ouvido.
A porta de um relacionamento é a amizade, não o sexo. Não existe nada mais sensual na vida do que a compreensão, do que ser ouvido
- G |Nas suas frases escritas diariamente, muitas das quais viram tatuagens, você fala bastante de amor e amizade, quase como sentimentos que se complementam. Qual o papel da paixão?
FC |
A paixão é uma greve de personalidade. Você não se mostra na paixão, você quer agradar. Você rouba a personalidade do outro. São pessoas vivendo personalidades revezadas, é uma permuta de personalidades. Você vira a casaca, se torna o outro. A paixão é uma suspensão de toda a sua potência. Você concorda com tudo, acha tudo agradável, não diz quais são seus gostos, as suas fobias, restrições. É uma concordância prévia, um blecaute. É por isso que ela é febril, obsessiva. É como se fosse um super poder. Quando você está apaixonado, não tem fome, não precisa dormir, não trabalha.
- G |Qual a paixão mais arrebatadora que você retratou em algum livro ou o inspirou para escrever?
FC |
Eu já descrevi os sintomas dos apaixonados num livro infanto-juvenil chamado “Diário de um Apaixonado”. Foi inclusive um livro que foi adotado pelo Programa Nacional do Livro Didático. É uma história que mostra o quanto os apaixonados são folgados. Eles entram nos restaurantes e esquecem todos ao seu redor. Um chato para todos os outros, menos para quem está gostando. Você fica repetitivo, desorientado, distraído. Tanto que a paixão não pode durar muito tempo senão a pessoa enlouquece. Ela exige muito da saúde emocional.
- G |Você está casado com a advogada Beatriz Reys, a quem você se declara sempre, desde 2016. Aquela máxima de que é preciso se apaixonar sempre pela mesma pessoa numa relação é verdade?
FC |
A paixão pode acontecer várias vezes dentro do amor. Mas se você não ama mais, não vai aparecer. É um fogo que pode acontecer a qualquer momento dentro de um relacionamento. É esse sabor da aventura, o mergulho no inesperado. Você pode se apaixonar por quem você ama. Como você sabe que o relacionamento mantém a mesma paixão? Quando o casal não se cansa de contar como se conheceu. Eles ficam com o início sempre recente, reavivando o pacto de estar um com o outro.
Como você sabe que o relacionamento mantém a mesma paixão? Quando o casal não se cansa de contar como se conheceu, ficam reavivando o pacto de estar um com o outro
- G |Muita gente tem falado hoje em dia sobre a monogamia quase como sinônimo de infidelidade e até os apps de encontro se adaptaram à não-monogamia. Você acha que as relações abertas podem ser um novo caminho para os casais?
FC |
Impossível. Você sempre vai gostar mais de uma pessoa do que de outra. É uma falsa democracia no amor. O amor é monárquico. Há um rei e uma rainha, ou dois reis e duas rainhas. Não acredito [na não-monogamia] porque existe uma cumplicidade aprofundada entre duas pessoas. Não é apenas saber conversar um com o outro, mas também saber ficar em silêncio. É quando esse silêncio não incomoda. Você vai amar alguém que admira, que aceite quem você é, que saiba o seu valor pelo conjunto das suas ações, não por um momento isolado. Neste sentido, um relacionamento aberto corre o risco de ser escancarado. Você se desprende, se desliga. Pode perceber o quanto os términos dos relacionamentos abertos são sempre monótonos porque as pessoas já começaram o relacionamento com distanciamento para se proteger. Por que você vai procurar um relacionamento aberto? Para não sofrer, né? É como se fosse uma vacina para a dor. Mas você só recebe o que você apostou. Se você aposta baixo, a sua recompensa será mínima. O que talvez esteja acontecendo são amizades eróticas. Mas por que não permanecer solteiro? Eu não entendo. “Ah, é pelo prazer de escandalizar, ou parecer moderno, para dizer aos velhos pais que você vive num trisal?” Como solteiro você pode fazer tudo o que faz numa relação aberta. Não tem como prevenir o sofrimento. O sofrimento nos faz amadurecer.
- G |Outra frase sua muito compartilhada pelos seguidores é “Só é inteiro quem é intenso”. Dá para se apaixonar e viver uma grande paixão sem sofrer?
FC |
Não tem como. Você não sabe do que o outro é capaz. Não sabe nem do que você é capaz ao lado de outra pessoa. Mas existe uma diferença cabal entre a intensidade e a ansiedade. A ansiedade vive no futuro, sofre com tudo o que não aconteceu. E a intensidade é viver para o presente. É aproveitar momentos imperfeitos, é ser possível, real. Enquanto um ansioso quer se antecipar, o intenso se entrega para o agora. Ou seja, intenso é aquele que não se economiza, não se deixa para depois, sabe da inconstância da vida e da precariedade dos laços. Talvez o intenso seja um apaixonado pelo amor próprio.
- G |No seu livro “Coragem de viver”, você narra uma passagem difícil da sua infância em que sofreu bullying, teve de se afastar da escola e diz que a paixão pela escrita te salvou. Como foi essa fase?
FC |
Eu tive muita dificuldade para aprender a ler e escrever. A dificuldade atiçou a minha curiosidade. O desafio é estimulante, me senti competindo comigo mesmo. E por que você vai competir com os outros se a sua felicidade é individual, artesanal e irrepetível? Ninguém pode ser feliz por você. Quando você tem alguma dificuldade, deficiência, objeção de crescimento, você passa a concorrer consigo mesmo. Eu tentava melhorar minha nota 7, depois a melhorar meu 8, depois o 9. E a escrita é a vingança dos tímidos. Tudo que você não falou frente a frente, você transborda pelas palavras. Existe todo aquele raciocínio contido, você observa mais, se interessa mais, os detalhes são decisivos. A escrita é libertadora porque perdoa, entende situações e contextos, se coloca no lugar do outro. É quando você pode ser tão honesto consigo que finalmente é capaz de se descobrir. Você apressa a sua evolução com a escrita à medida que você diz coisas para si mesmo que jamais diria para qualquer outra pessoa. Eu não precisava mais me esconder, me disfarçar, acolhi meus limites como se fossem trampolins, perdoei minhas versões anteriores. Hoje sei que fiz o possível naquela época.
A intensidade é viver para o presente. É aproveitar momentos imperfeitos, é ser possível, real
- G |No seu livro “Coragem de viver”, você narra uma passagem difícil da sua infância em que sofreu bullying, teve de se afastar da escola e diz que a paixão pela escrita te salvou. Como foi essa fase?
FC |
Eu tive muita dificuldade para aprender a ler e escrever. A dificuldade atiçou a minha curiosidade. O desafio é estimulante, me senti competindo comigo mesmo. E por que você vai competir com os outros se a sua felicidade é individual, artesanal e irrepetível? Ninguém pode ser feliz por você. Quando você tem alguma dificuldade, deficiência, objeção de crescimento, você passa a concorrer consigo mesmo. Eu tentava melhorar minha nota 7, depois a melhorar meu 8, depois o 9. E a escrita é a vingança dos tímidos. Tudo que você não falou frente a frente, você transborda pelas palavras. Existe todo aquele raciocínio contido, você observa mais, se interessa mais, os detalhes são decisivos. A escrita é libertadora porque perdoa, entende situações e contextos, se coloca no lugar do outro. É quando você pode ser tão honesto consigo que finalmente é capaz de se descobrir. Você apressa a sua evolução com a escrita à medida que você diz coisas para si mesmo que jamais diria para qualquer outra pessoa. Eu não precisava mais me esconder, me disfarçar, acolhi meus limites como se fossem trampolins, perdoei minhas versões anteriores. Hoje sei que fiz o possível naquela época.
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