Por Marco Aurélio Weissheimer
Em quem ou no que pensamos quando postamos um texto no Facebook, uma frase no Twitter, uma imagem no Instagram, um vídeo no YouTube ou no TikTok?
Quem, supostamente, verá esses conteúdos? E como nós somos afetados pelos incontáveis vestígios deixados por outras pessoas todos os dias nas redes sociais, com os quais nos deparamos por acaso ou segundo os cálculos dos algoritmos?
Essas perguntas constituem um dos fios condutores da série Infernet, apresentada pelo jornalista francês Pacôme Tiellement, no canal Blast – Le souffle de l’info, site francês independente de notícias e Web TV.
Em uma série de doze episódios, o jornalista mostra histórias reais de pessoas envolvidas em realidades paralelas nas redes sociais com desfechos, não raras vezes, trágicos.
Disponível no site do Blast e em seu canal no YouTube, a série Infernet traz alguns elementos que podem contribuir para o debate que ocorre neste momento no Brasil a respeito dos fenômenos das fake news e da criação e alimentação de realidades paralelas que vão da terra plana à suposta influência de alienígenas na política nacional. Fenômenos, como a série aponta, que viraram uma espécie de pandemia global.
Para além da dimensão dos conteúdos que alimentam essas patologias informativas e sociais, os produtores da série recomendam um olhar especial para a própria natureza e lógica de funcionamento das redes sociais e de como elas podem afetar sentimentos como tristeza, solidão e infelicidade, ou enfermidades mentais que nos acompanham desde o início dos tempos.
O que fazer com todos esses signos que vemos cintilar diariamente diante de nós como estrelas frágeis no céu obscuro de uma tela? – pergunta Pacôme Tiellement na abertura do 11º episódio da série, Teleka Patrick: o que virá de toda essa tristeza?, que conta a incrível e triste história da filha mais nova de uma enfermeira e de um pastor da Igreja dos Adventistas do Sétimo Dia.
Estudante destacada, leitora voraz e talentosa, Teleka sonhava em ser psiquiatra de crianças. E seu sonho torna-se realidade. Ela se torna uma médica brilhante, descrita por seus colegas como “luminosa, alegre, inteligente, gentil e incrivelmente talentosa em sua profissão”.
Até que, um dia, a vida de Teleka Patrick começa a colapsar, como “do nada”, e uma dimensão oculta de sua vida acaba vindo à tona por meio da investigação de suas postagens em redes sociais. Investigação provocada pelo final trágico da vida da jovem.
A escolha das histórias contadas na série é acompanhada por uma tese forte a respeito das redes sociais, a saber: se elas, ao longo de seu desenvolvimento, assumiram o objetivo de conter a progressão da incomunicabilidade entre os seres humanos, até aqui fracassaram e contribuíram para tornar ainda mais complexo o problema que se propuseram resolver.
As redes sociais, assinala Tiellement, acompanharam e talvez tenham intensificado a progressão da incomunicabilidade. O jornalista lembra a pergunta feita por James Baldwin, no livro A próxima vez, o fogo, que trata dos movimentos de emancipação dos negros norte-americanos: “O que surgirá de toda essa beleza?”.
E propõe uma adaptação à pergunta. Para ele, a questão colocada pela realidade engendrada pelas redes sociais é: “O que virá de toda essa tristeza? O que faremos com toda essa solidão?”.
Os episódios da série Infernet são como ilustrações a essas perguntas, todas elas retiradas de vidas reais que, por diferentes motivos, se mesclaram com realidades paralelas, de modo que a fronteira entre “real” e “irreal” tornou-se extremamente tênue.
A humanidade futura, questionam os produtores da série, perceberá ainda as redes sociais como espaços de troca, compartilhamento e de livre socialização? Ou verá essa promessa de felicidade como uma promessa que não pode ser cumprida? Seremos capazes de ler o que os seres humanos tentam desesperadamente dizer uns aos outros por meio de suas publicações no Twitter, Facebook, Instagram, TikTok, YouTube e outras plataformas digitais?
Para tentar responder a tais questões, a série lembra que algumas coisas são muito mais antigas do que as redes sociais e estão sendo profundamente impactadas por elas.
A história de nossas patologias, nota Pacôme Tiellement, está intimamente ligada à história de nossas práticas sociais. A internet não inventou a loucura, a solidão ou a infelicidade, mas as redes sociais deram a elas um nutriente que parece inesgotável: uma emissão quase permanente de signos de natureza ambígua capazes de alimentar tanto nossas alegrias e euforias, quanto nossos medos, delírios e tristezas.
Marco Weissheimer é colaborardor mensal do jornal Extra Classe.
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