quarta-feira, 15 de março de 2023

“Não sou capaz”. “Não tenho jeito”. Como as nossas crenças influenciam as escolhas e o sucesso que temos (ou não) mais do que pensamos

Desistir do curso desejado ou do emprego de sonho são decisões que se devem, em boa parte, a crenças erróneas geradoras de ansiedade, revelou um estudo publicado na revista Nature. Porém, mudar é possível, e quanto mais cedo, melhor, avançam os especialistas

“Os números não são o meu forte, por isso…” Assim, de um momento para o outro, caem por terra os planos de seguir determinado curso, sublima-se o desejo e opta-se pela via autodidata, no registo de passatempo, dando corpo à vocação sem passar pela academia.

Situações deste tipo tendem a surgir durante a adolescência e a marcar o percurso profissional, mas também noutras áreas. Na vida conjugal, por exemplo: goradas todas as tentativas para restaurar uma união que deu o que tinha a dar, a voz do ‘grilo falante’ que está na cabeça impõe-se: “Se te divorcias, isso é sinal de fracasso e podes não ter nova oportunidade no amor.” O remédio é ficar na zona de conforto – “é a vida” – mesmo que a insatisfação seja o prato do dia.

Outro cenário comum e, porventura, mais frequente, é a vontade de abraçar um novo projeto profissional mas não o fazer devido aos fantasmas que habitam a mente e geram angústia. “Se falhar, nunca me perdoarei por isso” ou “já não estou em idade para fazer experiências”. 

Há quem atribua estas ‘conversas’ – outras vezes, são mesmo monólogos internos – a fatores de personalidade, mas também a defesas, como a racionalização, por medo de correr riscos e de perseguir metas próprias. De onde vêm estas vozes e porque as levamos tão a sério ao ponto de condicionarem a nossa história de vida que, na cabeça de outro alguém, seria completamente diferente? 

Perceções erróneas

Para compreender melhor os mecanismos que nos levam a tomar certas decisões, mesmo quando parecem contrárias às nossas motivações ou desejos, uma equipa de investigadores decidiu estudar a relação entre tendências de pensamento e condutas de evitamento face a certas atividades e profissões. Os resultados da investigação, publicados na revista Nature no final de fevereiro, confirmaram aquilo que é do senso comum, mas carecia de evidências científicas: sentir-se ansioso face a determinada ideia ou pensamento leva ao evitamento de atividades em que essa ideia está presente,, impedindo a pessoa de progredir. 

O estudo foi realizado numa amostra de 331 estudantes universitários, a quem foi pedido para classificar o interesse (ou falta dele) em 48 carreiras e 48 atividades e, ainda, o quanto acreditavam que elas envolviam três dimensãos cognitivas: pensamento criativo, matemático e espacial.

A partir dos dados recolhidos, os cientistas comportamentais criaram “coeficientes de afinidade”, ou seja, associações individuais entre pensamentos e interesse nas atividades. Esse indicador poderia ser positivo (associar uma atividade ao uso do raciocínio espacial e ter mais interesse nela, por exemplo) ou negativo (quanto mais encaravam uma atividade como implicando o uso do raciocínio espacial, menos eram atraídos por ela). A seguir, a equipa testou em que grau os participantes evitavam as atividades em função da ansiedade (medida com várias escalas) que gerava neles.

Conclusão: nos três domínios cognitivos estudados, em carreiras e atividades, sentir-se ansioso por causa de pensamentos específicos associados a elas levou ao desejo de evitar ir por esse caminho. Assim, quem reportou ansiedade face ao pensamento matemático, quanto mais associava uma carreira ou atividade a essa variável, menos atraído se sentia por ela e o mesmo se verificou para as restantes dimensões estudadas.

No artigo, o cientista comportamental Richard J. Daker e colegas acrescentaram a ansiedade associada a certo tipo de competências “pode desempenhar um papel significativo na formação dos nossos interesses, grandes e pequenos”. 

Defesas na bagagem

As implicações da investigação parecem óbvias: a decisão de evitar certas escolhas por acreditar que não se tem apetência leva a que haja competências que ficam por desenvolver, condicionando, efetivamente, os percursos de cada um. 

Numa altura em que tanto se fala de vários tipos de inteligência e da importância de envolver-se numa atividade, função ou relacionamento em que possa cumprir o seu potencial, este estudo remete para o papel das crenças limitadoras e da sua génese.

Segundo a Teoria Social Cognitiva da Carreira, a forma como se viveram as experiências anteriores, na vida académica, profissional ou social, vai influenciar o caminho a seguir, ou não, dependendo dos ganhos e perdas, já que tendemos a optar pelas áreas em que fomos bem sucedidos, aprovados ou nos fortaleceram a autoestima. Os papéis sociais também contam, mas o cerne da questão faz-nos recuar até às origens, às fantasias de infância e a forma como são geridas no seio da família.

Os modelos herdados, a forma como se comportam os adultos e as expetativas que passam, mesmo que indiretamente, num ou vários campos. E, mais tarde, se esgrimem na convivência com os pares, o meio onde se cresce além da casa e, não menos decisivo, as determinantes socioeconómicas e culturais. 

Este é o ‘melting pot’ em que se instalam as crenças, que podem ser mais expansivas ou limitadoras. Por trás do medo da rejeição, de falhar, de ir contra o que se imagina que esperam de nós ou, até, do próprio sucesso, podem estar as tais crenças limitadoras que foram ganhando terreno e, sem se dar conta, acabam por conduzir a uma narrativa de si que, mais das vezes, não corresponde à realidade.

Desconstruir crenças, seguir em frente

Sandra Helena, psicóloga de orientação vocacional e de carreira na Psinove, está familiarizada com estes casos, comuns em muitos dos jovens que tem avaliado. “Muitos acabam por seguir uma direção inversa àquela que poderiam tomar, por terem tido um professor que não os cativou, por exemplo”. Outros, ficam com uma ideia errada acerca das suas capacidades porque “deixaram para trás uma cadeira que exigia mais esforço, convencendo-se, depois, que não têm jeito ou vocação”. 

Na consulta de avaliação, “a meta é passar a noção de que determinada competência pode ser desenvolvida, sobretudo se teve valores nos testes que o mostram”. Veja,os o caso das competências espaciais ou criativas: “Basta a escola não investir tanto nelas para que não sejam suficientemente estimuladas e desenvolvidas.” Estes e outros fatores acabam por fazer a diferença na hora de tomar decisões de fundo, ou seja, “entre seguir, ou não, uma área que nem sequer experimentaram por sentirem que têm essa falha”.

A pensar no crescente número de jovens adultos que entram no mercado de trabalho e se confrontam com estas questões, “a Psinove passou a disponibilizar o serviço de orientação de carreira”. A meta é abordar a forma como as pessoas se sentem e explorar outras vias que não estão a ser levadas em conta na equação. Não raras vezes, descobrem que “insucessos prévios não tiveram a ver com competências próprias mas com outras variáveis, e a experiência não foi reparadora, levando a pensar que a falha é pessoal”.   

Ideias feitas como “não sou capaz de trabalhar em equipa” ou “para ter carreira é preciso sacrificar a vida pessoal” são ilustrativas de uma certa rigidez que, com o acompanhamento adequado, podem ser desconstruídas e permitir uma reflexão sobre o que cada um valoriza, aquilo que é seu ou influenciado por outros e, no final, promover uma mentalidade de crescimento que permita correr riscos calculados e abraçar desafios que se afiguram interessantes e geradores de bem-estar com a vida.

*Jornalista.

Fonte:  https://visao.sapo.pt/atualidade/sociedade/2023-03-11-nao-sou-capaz-nao-tenho-jeito-como-as-nossas-crencas-influenciam-as-escolhas-e-o-sucesso-que-temos-ou-nao-mais-do-que-pensamos/

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