Mário Corso*
Troquei de escola no último ano do segundo grau. Cheguei sem conhecer ninguém. As amizades da turma e seus grupos estavam desenhadas há muito tempo.
A turma veio curiosa saber quem eu era. Quando disse o meu nome, uma colega - depois soube que era Bia - atravessou a conversa e disse: deveria ser Palmito. Estava em fase de crescimento, magro, alto e branquela. Pegou, Victor morreu e virei Palmito para todo colégio.
Não parou por aí. Bia aprendeu a imitar minha voz e meu jeito de andar. Um mês depois criou a música do Palmito. Tornei-me o centro das piadas dela. Fosse homem, resolveria com um soco na boca.
Mas o bullying seguia. Aproximei-me de uma menina do primeiro ano e fui bem recebido. Não engrenou, Bia e suas amigas cochicharam algo para Vera, que riu e passou a me evitar.
Bia machucou-se jogando vôlei. Avisaram que ficaria duas semanas em casa, sem caminhar. Sorri por dentro, ganhei umas umas férias da chacota. A alegria durou nada. Como morávamos perto, a mãe dela ligou para minha e acertaram que a visitaria todos os dias para passar a matéria.
Em inglês usam Nêmesis, deusa grega da vingança
e da justiça, para nomear os inimigos íntimos.
Até então sofria em silêncio. Mas ajudar quem me atrapalha é o fim. Desta vez desabafei com minhas irmãs. Resultado, morreram de rir. Disseram que eu era tolo, imaturo e trouxeram o apelido para casa. Até meu pai passou a me chamar de Palmito.
Em inglês usam Nêmesis, deusa grega da vingança e da justiça, para nomear os inimigos íntimos. Pessoas conectadas pelo ódio. Bia conseguiu. Colonizou minha mente. Tornou-se uma obsessão, só pensava em vingar-me.
Nada é tão ruim que não possa piorar. Um professor perguntou sobre escolhas profissionais. Eu queria Direito. Meu pai é advogado, tenho um tio juiz, meu avô foi professor de Direito Penal. Bia queria o mesmo curso e sua meta era a faculdade que eu almejava. Agarrei-me a ideia de que ela não passaria. Era inteligente, mas sem disciplina.
Passou com uma nota melhor do que a minha. Murchei no que era para ser o dia mais feliz da vida. Estava desolado, passaria mais cinco anos sendo zoado.
Mais um primeiro dia com uma turma nova. Estava apreensivo. Bia era super sociável, já falava com todos.
No primeiro intervalo chamou-me para um café. Sentamos e do nada ela beijou-me demoradamente. Pegou minha mão e disse: você é lento para entender as mulheres.
*Psicanalista, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA)
Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/mario-corso/noticia/2023/03/nemesis-nosso-inimigo-intimo-clf8n66eo005v016b6oyxm7ot.html
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário