sexta-feira, 24 de março de 2023

Análise: 'Sincericídio' de Lula tira oposição das cord

 Lula visita a base de submarinos da Marinha, em Itaguaí — Foto: Gabriel de Paiva/Agência O Globo

Lula visita a base de submarinos da Marinha, em Itaguaí— Foto: Gabriel de Paiva/Agência O Globo

Se o governo investiga a autorização da operação pela juíza Gabriela Hardt, que substituiu Moro na Lava-jato, eventuais suspeitas só poderiam vir à tona se comprovadas

Por Maria Cristina Fernandes, Valor — São Paulo

Se alguém tinha dúvidas de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sabia que estava ao vivo na entrevista ao Brasil 247 quando disse o que pensava na prisão, ele tratou de dissipá-las com a afirmação de que os ataques planejados pelo PCC foram uma armação do senador Sergio Moro (União-PR).

Lula voltou ao poder no modo “tô pouco me lixando”. Se a psicanálise se debruçar sobre o que ele passou desde Curitiba até a eleição há de encontrar as causas. Para a política importam as consequências. Que já deveriam ter soado o alarme no Palácio do Planalto.

Se o governo investiga a autorização da operação pela juíza Gabriela Hardt, que substituiu Moro na Lava-Jato, eventuais suspeitas só poderiam vir à tona se comprovadas. O presidente e seu governo são as primeiras vítimas da cortina de fumaça lançada por ele sobre a operação.

Do ministro da Justiça, Flávio Dino, aos senadores da base governista que se revezaram ontem no plenário, a linha de defesa foi uma só: o desbaratamento dos atentados em curso foi obra da Polícia Federal. E todos, em uníssono, prestaram solidariedade ao ex-juiz. Só o presidente da República não o fez. Sem apresentar evidências para as insinuações feitas, Lula autoriza a conclusão de que é a mágoa que o move.

E não apenas. Oferece à oposição uma saída das cordas às quais havia sido jogada depois do inexplicável expediente das joias sauditas. Foi isso que se viu ao longo dos apartes feitos a Moro ao longo de seu pronunciamento no Senado. Numa salada de acusações a oposição ressuscitou a Lava-Jato e associou o combate à operação com a leniência com o crime organizado e a corrupção.

É claro que é oportunista. Mas estas são as duas bandeiras que moveram o eleitorado de oposição a apertar 57 milhões de vezes pela recondução de Jair Bolsonaro. A maneira desdenhosa com a qual Lula as trata parece desconhecer que isso aconteceu há apenas cinco meses.

 Seu governo ainda não mostrou a que veio em nenhum dos dois temas. Se o relançamento do Pronasci tem o mérito de tentar evitar que os jovens da periferia sejam recrutados pelo crime, parece claro que o programa nacional de segurança não pode se limitar a esta iniciativa.

Se a montagem da base parlamentar passa pela reincorporação do Centrão, tampouco está claro como as instituições de controle se preparam para dar conta da retomada de suas posições – das emendas aos ministérios, passando pelas estatais.

O modo presidencial “tô pouco me lixando” invade os conflitos entre a Câmara e o Senado e prejudica a capacidade de mediação do presidente entre os partidos que disputam espaços de poder. Isso não poderia estar mais claro neste enfrentamento sobre o rito das medidas provisórias que levou o presidente da Câmara ontem a dizer que não sabe quem manda no Senado.

O presidente mandou muito bem na invasão dos palácios do poder em 8 de janeiro ao recusar a operação de Garantia da Lei e da Ordem. Os invasores estão presos e respondem a inquéritos. Menos de três meses depois de sua eleição, salvou, pela segunda vez, a democracia.

O combate ao crime organizado vai além. Enfrenta organizações armadas, com conexões internacionais e que age em associação com agentes públicos que se espraiam na polícia, na política e no judiciário. O tema já mostrou ser mais do que suficiente para manter o bolsonarismo vivo e em condições de acuar o governo Lula. E dispensa a ajuda do presidente para fazê-lo.

Lula resolve bulir com o tema num momento em que a principal motivação do seu eleitor, a melhoria da economia e da renda, claudica. Estendeu seu “sincericídio” à política monetária num momento em que as visões críticas à sua condução já estavam suficientemente amadurecidas até entre aqueles que fazem preço na economia. O comunicado do Copom também é um espólio de guerra. Se Lula resolveu comprar todas as brigas ao mesmo tempo que, pelo menos, o faça calado.

Fonte: https://valor.globo.com/politica/noticia/2023/03/23/analise-sincericidio-de-lula-tira-oposicao-das-cordas.ghtml?li_source=LI&li_medium=news-page-widget

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