sexta-feira, 10 de março de 2023

Paradoxos e inversões

por Juremir Machado da Silva

Paradoxos e inversões 

Foto: Giu Vicente/Unsplash

Nós seres humanos somos engraçados. Quando eu era pequeno, só pensava ser em grande. Assim como as crianças, em viagem, perguntam se falta muito para chegar, eu perguntava toda hora se faltava muito para eu crescer. Sentia que me enrolavam. Tinha pressa de ganhar o mundo, especialmente de saber o que havia na outra ponta dos trilhos que passavam por Palomas. Depois que, enfim, fiquei grande, mas não muito em altura, vivo tentando ser pequeno de novo. Como pesquisador no campo da sociologia da cultura, estou entre os que definem infância como sinônimo de imaginário. Vale lembrar que imaginário não se confunde com imaginação. O imaginário é um modo de estar no mundo pelo qual certas coisas assumem um sentido extraordinário e outras não.

Imaginário é uma ficção assumida coletivamente como realidade. Pode ser algo como “Brasil, país do futuro” ou a aura que envolve um clube de futebol pelo qual torcemos fazendo com que aos nossos olhos ele pareça realmente diferente dos outros. Se a infância me obceca, não me vejo como patologicamente nostálgico. Apenas percebo o quanto adultos precisam lutar para manter o magnetismo das coisas enquanto crianças vivem tranquilamente numa atmosfera de fantasia. Adultos, porém, também brincam de carrinho, futebol de final de semana, torcedor, pescador e até de político, jogo que mobiliza e apaixona.

Um amigo, nascido no exterior, onde sua família estava de passagem, premida pela ditadura midiático-civil-militar de 1964, me contou dia desses do quanto lhe faz falta o lugar da sua infância, aqueles que muitos de nós – eu, por exemplo – recorrem como ponto utópico de reconciliação com a trajetória existencial. Roqueiros, com todo carinho, me parecem sempre conectados com a juventude. Mesmo com 80 anos, como vejo por aí, vestem-se como quando eram adolescentes e exibem por trás da idade uma pegada rebelde. Admiro.

Certas notícias fazem pensar nisso tudo. Caminhei na direção de um táxi imaginando que o motorista seria um velho conhecido, poderia mesmo dizer um amigo, que me carregou por mais de 30 anos. Entrei e vi que era outro, também conhecido, mas bem mais recente, sem o nosso histórico de conversas. Então ouvi o que me chocou: “Ele se matou”. Como pode aquela pessoa afável, sempre positiva, de uma gentileza sem ressalvas, gremista sem arroubos, sempre para uma conversa suave, ter-se matado? Pequeno, eu queria entender a morte. Grande, fico estarrecido ao ouvir falar dela, ainda mais quando ceifa vidas que poderiam durar ainda muitos anos transmitindo suavidade.

A vida é bolha de sabão,
Está aqui, não está mais.
A morte suspende o não,
Expiram os outros finais.
A morte é como uma mágica,
Um truque sujo previsto,
Contrato, enfim, revisto.
Final de uma cena trágica,
Presença de uma ausência,
Uma súbita transparência!

Fonte: https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/juremir-paradoxos-e-inversoes/?utm_source=Assinantes&utm_campaign=8efb626bf5-EMAIL_CAMPAIGN_2023_03_09_10_19&utm_medium=email&utm_term=0_-8efb626bf5-%5BLIST_EMAIL_ID%5D&mc_cid=8efb626bf5&mc_eid=02eb3e5cec

Nenhum comentário:

Postar um comentário