Juremir Machado da Silva*
A maior fonte de infelicidade da história da humanidade é a
felicidade. Quem tem, teme perdê-la. Desespera-se. Quem não tem, sofre
tentando obtê-la. Enlouquece. O problema é que não se sabe bem o que é
felicidade. Dizem que é passageira, mas todos querem que seja
permanente. Nas últimas décadas, a felicidade tornou-se uma obrigação.
Quem não a tem, fracassa. O fracasso é o pior estigma em sociedades de
competição total. Os filósofos gregos – sempre dá um charme falar nos
gregos antigos, que os atuais só aparecem em manchete negativa – viviam
falando em felicidade. Davam nome para tudo. Chamavam a felicidade de
“eudaimonia”. Era uma benção divina.
Sófocles, aquele mesmo que emplacou sucessos universais e intemporais sobre a insensatez, com Antígona, Édipo Rei, Electra e Édipo em Colona,
escreveu que “o bom senso é a principal parte da felicidade”. Vê-se que
Sófocles não tem sido lido nem ouvido nos últimos tempos. Ser feliz
hoje está mais para a ruptura total com o bom senso. É preciso ser rico,
forte, famoso, invejado, viver intensas emoções diariamente, ter muitas
paixões e objetos. O filósofo alemão Kant, que era um sujeito bizarro,
escreveu isto: “A felicidade é o estado em que se encontra no mundo um
ser racional para quem, em toda a sua existência, tudo decorre conforme o
seu desejo e a sua vontade”. Kant também não se revela muito
atualizado.
Tales de Mileto entendia que ser feliz era ter “corpo forte e são,
boa sorte e alma formada”. Ele não contava com o subjetivismo dos
homens: um marombeiro acha que ter corpo forte e são é buscar uma
musculatura doentia de tão poderosa. A boa sorte depende das ambições. A
alma formada é um enigma. O britânico Bertrand Russell, em A conquista da felicidade,
sustenta que ser feliz é eliminar o egocentrismo. Ferrou. Buscamos a
felicidade, hoje, no máximo de egocentrismo. Os gregos acreditavam no
umbigo do mundo. Ficava em Delfos. Estive lá. Pretendo voltar. Mas isso é
outro assunto. Superamos os gregos. Nós somos o umbigo do mundo. Cada
um de nós.
Kant não teria casado, apesar de ter encontrado uma musa, por ter
feito os cálculos projetando, a partir do que ganhava, de quanto
precisaria para sustentar a família ao longo do tempo: pelo seu método
racional, não seria feliz. Para evitar a infelicidade, teria tornado a
moça infeliz. Curiosamente Kant acreditava no casamento: “Se não pensas
em descobrir um novo sistema astronómico que suprima o de Copérnico, bem
como o de Ptolomeu – então, casa-te”. Kant dizia não ter casado por não
ter dinheiro quando o casamento poderia ter lhe sido proveitoso e só
ter vindo a ter dinheiro quando o casamento já não lhe serviria para
muita coisa. E a felicidade? Pode estar em muitos lugares, até no
casamento, desde que não seja uma obsessão.
Há quem se separe para viajar e quem viaje para se separar. As
viagens tornaram-se símbolo de felicidade numa época em que se tornaram
obsoletas. O máximo da felicidade para alguns é nunca estar no mesmo
lugar, o que faz a felicidade da indústria do turismo. O que é a
felicidade? Certamente não é ensanguentar o mundo por devoção ou
fanatismo.
Fanático é o fã que ama demais a ponto de não suportar quem não ame como ele.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor.
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/
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