quarta-feira, 18 de novembro de 2015

A felicidade em tempos sombrios

Juremir Machado da Silva* 
 
A maior fonte de infelicidade da história da humanidade é a felicidade. Quem tem, teme perdê-la. Desespera-se. Quem não tem, sofre tentando obtê-la. Enlouquece. O problema é que não se sabe bem o que é felicidade. Dizem que é passageira, mas todos querem que seja permanente. Nas últimas décadas, a felicidade tornou-se uma obrigação. Quem não a tem, fracassa. O fracasso é o pior estigma em sociedades de competição total. Os filósofos gregos – sempre dá um charme falar nos gregos antigos, que os atuais só aparecem em manchete negativa – viviam falando em felicidade. Davam nome para tudo. Chamavam a felicidade de “eudaimonia”. Era uma benção divina.

Sófocles, aquele mesmo que emplacou sucessos universais e intemporais sobre a insensatez, com Antígona, Édipo Rei, Electra e Édipo em Colona, escreveu que “o bom senso é a principal parte da felicidade”. Vê-se que Sófocles não tem sido lido nem ouvido nos últimos tempos. Ser feliz hoje está mais para a ruptura total com o bom senso. É preciso ser rico, forte, famoso, invejado, viver intensas emoções diariamente, ter muitas paixões e objetos. O filósofo alemão Kant, que era um sujeito bizarro, escreveu isto: “A felicidade é o estado em que se encontra no mundo um ser racional para quem, em toda a sua existência, tudo decorre conforme o seu desejo e a sua vontade”. Kant também não se revela muito atualizado.

Tales de Mileto entendia que ser feliz era ter “corpo forte e são, boa sorte e alma formada”. Ele não contava com o subjetivismo dos homens: um marombeiro acha que ter corpo forte e são é buscar uma musculatura doentia de tão poderosa. A boa sorte depende das ambições. A alma formada é um enigma. O britânico Bertrand Russell, em A conquista da felicidade, sustenta que ser feliz é eliminar o egocentrismo. Ferrou. Buscamos a felicidade, hoje, no máximo de egocentrismo. Os gregos acreditavam no umbigo do mundo. Ficava em Delfos. Estive lá. Pretendo voltar. Mas isso é outro assunto. Superamos os gregos. Nós somos o umbigo do mundo. Cada um de nós.

Kant não teria casado, apesar de ter encontrado uma musa, por ter feito os cálculos projetando, a partir do que ganhava, de quanto precisaria para sustentar a família ao longo do tempo: pelo seu método racional, não seria feliz. Para evitar a infelicidade, teria tornado a moça infeliz. Curiosamente Kant acreditava no casamento: “Se não pensas em descobrir um novo sistema astronómico que suprima o de Copérnico, bem como o de Ptolomeu – então, casa-te”. Kant dizia não ter casado por não ter dinheiro quando o casamento poderia ter lhe sido proveitoso e só ter vindo a ter dinheiro quando o casamento já não lhe serviria para muita coisa. E a felicidade? Pode estar em muitos lugares, até no casamento, desde que não seja uma obsessão.

Há quem se separe para viajar e quem viaje para se separar. As viagens tornaram-se símbolo de felicidade numa época em que se tornaram obsoletas. O máximo da felicidade para alguns é nunca estar no mesmo lugar, o que faz a felicidade da indústria do turismo. O que é a felicidade? Certamente não é ensanguentar o mundo por devoção ou fanatismo.

Fanático é o fã que ama demais a ponto de não suportar quem não ame como ele.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor.
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/

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