sábado, 21 de novembro de 2015

Michel Houellebecq: A França falhou


 Michel Houellebecq*
 
 Tolerância. Muçulmano segura cartaz onde se lê “Abraços gratuitos”, na Praça da República, 
próximo a um dos memoriais em homenagem às vítimas - 
CHARLES PLATIAU / REUTERS

Descrédito que atinge partidos políticos na França 
não só é massivo: é legítimo’

No rescaldo dos atentados de janeiro em Paris passei dois dias sem poder desligar, diante dos canais de notícias. No rescaldo dos atentados de 13 de novembro, quase não liguei a televisão; contentei-me em ligar para as pessoas que conhecia nos bairros atingidos (e que era um monte de gente). Você se acostuma aos atentados.

Em 1986, uma série de explosões ocorreu em Paris, em diferentes locais públicos (foi o Hezbollah libanês, acredito, o responsável). Houve uns quatro ou cinco atentados, num período de alguns dias, talvez por uma semana. Não me recordo exatamente. Mas o que me lembro perfeitamente é da atmosfera no metrô, naquela primeira semana. O silêncio dentro dos carros era total; e os olhares dos passageiros se cruzavam carregados de desconfiança.

Era a primeira semana. E então, logo depois, as conversas foram retomadas, o clima voltou ao normal. A perspectiva de outra iminente explosão ainda estava lá, na mente de todos; mas havia passado a um segundo plano. Você se acostuma aos atentados.

A França vai se segurar. O francês vai se segurar, sem mesmo precisar de um heroísmo particular, sem mesmo ter a necessidade de uma “reação nacional”. Eles vão se segurar porque não há outra maneira de fazer, e porque você se acostuma a tudo. E porque nenhuma força humana, nem mesmo o medo, é mais forte do que o hábito.

“Mantenha a calma e siga em frente”. Tudo bem, é o que vamos fazer (mesmo que estejamos bem distantes, infelizmente, de ter um Churchill para nos conduzir). Ao contrário da crença difundida, os franceses são bastante dóceis, bastante fáceis de governar. Mas igualmente eles não são completos idiotas. Sua principal falha reside muito numa espécie de frivolidade negligente que torna necessário, periodicamente, refrescar-lhes a memória. A situação desafortunada na qual nos encontramos tem responsáveis, e responsáveis políticos; e estas responsabilidades políticas haverão de ser, cedo ou tarde, analisadas. É pouco provável que o insignificante oportunista que detém o cargo de chefe de Estado ou o débil mental congênito que faz as vezes de primeiro-ministro, ou mesmo os “tenores da oposição” reapareçam fortalecidos desta análise.

Quem, exatamente, diminuiu os efetivos das forças policiais, até que estivessem completamente no limite, e quase incapazes de cumprir sua missão? Quem, exatamente, martelou ao longo dos anos que as fronteiras eram um absurdo antiquado, símbolo de um nacionalismo rançoso e nauseante?

As responsabilidades, como se pode ver, são largamente compartilhadas.

Quais responsáveis políticos engajaram a França nas operações absurdas e dispendiosas cujo principal resultado foi mergulhar no caos o Iraque, em seguida a Líbia? E quais responsáveis políticos se preparavam, há bem pouco tempo, para fazer a mesma coisa na Síria?

(Estava esquecendo, é verdade que nós não fomos ao Iraque; não pela segunda vez. Mas foi por pouco, e parece certo que Dominique de Villepin, então ministro das Relações Exteriores, entrará para a História unicamente por isso — o que não é nada — por ter impedido que a França por uma vez, por somente e uma única vez em sua História recente, não participasse de uma operação criminosa que também foi uma estupidez).

A conclusão que se impõe é, desgraçadamente, severa: nossos sucessivos governos após dez (20? 30?) anos, lamentavelmente, sistematicamente, categoricamente falharam na sua missão essencial: proteger a população sob sua responsabilidade.

A população, ela não falhou. No fundo, não sabemos exatamente o que ela pensa, os governos sucessivos têm tomado muito cuidado com referendos (com exceção de um, em 2005, sobre uma proposta de Constituição Europeia, cujo resultado preferiram ignorar). Mas pesquisas de opinião são permitidas e, no que elas são valorosas, revelam mais ou menos as seguintes coisas. A população francesa sempre manteve sua confiança e sua solidariedade acerca de seus policiais e suas Forças Armadas. E tem amplamente recebido com desgosto a pregação da “moral de esquerda” (moral?) sobre o acolhimento de refugiados e de imigrantes. E ela jamais viu sem suspeição as aventuras militares no exterior que os governos julgaram boas de se associar.

Poderíamos multiplicar os exemplos de divergências, que se tornaram abissais, entre a população e aqueles que supostamente a representam. O descrédito que atinge atualmente, na França, a todos os partidos políticos não só é massivo: é legítimo. E me parece, parece-me bem que a única solução que nos resta é ir suavemente para a única forma de democracia real: que entendo, rumo à democracia direta.
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*Michel Houellebecq, escritor e autor do romance “Submissão”

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