quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Minhas promessas para a próxima vez

 Ando piegas. Tenho pensado na vida. A pieguice é o estado que acomete os homens quando eles se sentem ridiculamente verdadeiros e pensam no sentido da existência justamente quando esse tal sentido ganha a solidez de um cubo de gelo. Na próxima vez, tratarei de viver sem medo da vida, que a morte é somente uma estranha na sala de visitas que se apresenta sem ser anunciada nem tem a educação de telefonar antes ou de mandar um torpedo, salvo se o torpedo for apenas a sua presença tão indesejada quanto um vírus de computador. Na próxima vez, prometo que sorrirei para a vizinha que sempre me brinda com a sua simpatia quando nos cruzamos na esquina cinza ou ensolarada, ela a caminho do ar do manhã, eu a passos largo para o que suponho serem as minhas tantas e inadiáveis responsabilidades.

Na próxima vez, pararei para sentir o cheiro de uma goiaba madura na placidez do cair da tarde, esse aroma que me fascina desde a infância e para o qual ainda não tive um segundo de atenção por estar sempre correndo para alcançar o horizonte, o que hoje se chama de atingir metas e cumprir objetivos. Na próxima vez, pedirei bolas de todos os sorvetes que adoro: maracujá, doce de leite, limão, uva, frutas exóticas, tão exóticas quanto a minha vontade de ser o mesmo mudando todo o tempo. Na próxima vez, ajudarei o cego a subir no ônibus. É incrível como vamos perdendo a percepção das coisas realmente importantes: subir em árvore, rir de si mesmo, brincar de Alice no país das maravilhas, vestir fantasia e se esbaldar até o amanhecer. Vivemos uma terceirização da brincadeira. Não jogamos, vemos jogar. Na pulamos carnaval, assistimos ao desfile. Viramos uma sociedade de espectadores.

Delegamos a outros o gozo da existência.

Na próxima vez, ouvirei Caymmi, Beethoven, Fagner, Bob Dylan, José Mendes, Mozart, Chico Buarque, Elis, Belchior e Paulinho da Viola numa playlist barroca e deliciosamente livre sem me preocupar com os modernos, com os fashion e com os fiscais do gosto. Na próxima vez, jogarei futebol na chuva, usarei paletó de linho branco, chapéu panamá e sapatos sem meias ou meias de cores diferentes. Na próxima vez, expulsarei o hipercoerente que habita em mim e me cobra convicções que me parecem sinônimos de teimosia e acertos que me impressionam como grandes erros. Na próxima vez, direi o que penso a quem me diz o que não pensa, mas calarei se for para não magoar quem pensa o que diz ou diz sem pensar o que sente sem maldade nem inveja.

Na próxima vez, ficarei com o Belchior em casa por um mês, não brigarei por futebol, mesmo que minhas brigas sejam pura encenação para quebrar a rotina, não calarei diante das injustiças oficiais, mesmo que isso me custe a zona de conforto, e abraçarei com mais força os amigos que não vejo desde muito tempo. Na próxima vez, não deixarei para a próxima vez o que deve ser feito na eternidade efêmera do segundo que nunca mais se repetirá. Na próxima vez, farei o gol, correrei para o abraço, farei até coraçãozinho e amarei como nunca quem me ama como sempre. Na próxima vez, será a primeira vez.

Na próxima vez, abraçarei muito mais forte meus amigos de Paris.
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* Sociólogo. Prof. Univer. Escritor.
Fonte:  http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/18/11/2015
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