Gilles Lipovetsky*
Filósofo francês reflete sobre o que leva
os jovens ao terrorismo
e a falta de esclarecimento
ante a conversão radical.
Por que em Paris? Por que jovens
franceses se tornam fanáticos religiosos? Não é surpreendente que tenha sido em
Paris por várias razões. Tivemos duríssimos atentados em janeiro contra o
jornal Charlie Hebdo e o mercado Casher.
Paris tornou-se alvo dos jihadistas por
seu laicismo, bem francês, pela proibição do uso do véu pelas mulheres
islâmicas nas escolas públicas, o que fez da França um demônio. Em segundo
lugar, a França atacou militarmente a África, o Iraque e agora a Síria. Isso produz
retaliações. A cultura laica francesa é abominada pelos fanáticos islamitas.
Era sabido pelos especialistas que haveria novos ataques. A aceleração foi
brutal. E não deve parar por aí. Mais complexo e sociológico é saber a razão da
radicalização de jovens franceses. Como pode ser que franceses educados em
nossas escolas laicas, que viam e ouviam nossas rádios e televisão, caiam na
armadilha do fanatismo, essa loucura assassina, chegando a ir receber
treinamento na Síria e a voltar para se explodir com uma bomba na Europa? Essa
situação mostra que há algo errado em nosso modo de socialização. Vivemos em
sociedades cool, de comunicação, de
compreensão e de hedonismo. Como se dá que jovens decidam mudar de vida,
adotando um estilo austero, assumindo a violência como método de ação e negando
todos os nossos valores?
Eles
querem ser mártires. A noção de martírio tinha perdido o sentido nos últimos 50
anos. Cultivamos o prazer, a festa, a alegria e a leveza. Não a morte. Ninguém
mais queria morrer por uma causa. Isso pode ter ainda acontecido na II Guerra
Mundial. Morria-se por uma nação. O que está acontecendo? Será o retorno de
valores tradicionais de uma cultura totalmente diferente da nossa? Não. O
comportamento desses jovens é paradoxalmente um efeito da sociedade da leveza,
que, pelo hiperconsumismo, nos últimos 50 anos, devastou todas as formas
tradicionais de enquadramento social. Ninguém mais controla o comportamento dos
indivíduos. Entramos numa época de desorientação sistemática. Para a maioria das
pessoas o mal-estar dessa sociedade traduz-se em depressão, estresse, ansiedade
e outras doenças psicossomáticas. Há, porém, pessoas que reagem de outra forma
a esse vazio. O jihadismo prospera graças a esse vazio terrível. Com seus
gurus, toma conta de desesperados, encontrados, muitas vezes, nas prisões ou na
Internet, oferecendo-lhes conforto e uma missão. São pessoas que se radicalizam
em algumas semanas ou meses.
No
comportamento desses jovens é tudo menos esclarecido. A ignorância é que os
condena. Não possuem conhecimentos religiosos sólidos nem políticos. Não são
herdeiros de uma tradição, mas apenas extraviados. Desse modo, resultam da
hipermodernidade, que elimina os controles antigos e nada põe no lugar deles. O
que procuram? Uma nova estrutura, uma paixão, um sentido, uma direção, uma
intensidade, uma valorização. Alguns buscam as sensações fortes nas drogas.
Outros, no fanatismo. Querem uma maneira de existir. Mesmo matando e morrendo.
Encontram na sedução da morte uma atração que lhes garante uma sensação de
potência e de significado. O Estado Islâmico será destruído, assim como a Al
Qaeda foi sufocada, mas esse tipo de jovem vai continuar procurando o extremo
em outro lugar.
O
Ocidente conhece outras formas de radicalização e de busca desesperada de
sentido ou de alívio para o ressentimento como as seitas ou os serial-killers. A sociedade
hiperindividualista e hiperconsumista desorganiza os enquadramentos sociais e
deixa os indivíduos soltos. Há quem não aguente. Os jovens de antigamente tinham
como modelo os pais e avós. Não era preciso se questionar sobre o que ou como ser. Conversões sem sólida
formação religiosa levam ao radicalismo quando há desequilíbrio psicológico e
desamparo. Há um vazio que precisa ser preenchido. Tem a ver com o
reconhecimento tratado por Hegel. As pessoas não suportam viver sem
reconhecimento. Alguns o buscam na barbárie e no martírio.
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Filósofo.
Doutor Honoris Causa da PUCRS, autor de “Metamorfoses da Cultura Liberal”
(Sulina).
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Fonte:
Correio do Povo impresso. Caderno de Sábado, 21 de novembro de 2015, pág.2.
Foto da Internet: Assembleia Nacional Francesa colorida em azul, branco e vermelho numa forma de resistência ao eco cego das conversões radicais de franceses jihadistas.
Foto da Internet: Assembleia Nacional Francesa colorida em azul, branco e vermelho numa forma de resistência ao eco cego das conversões radicais de franceses jihadistas.
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