NÃO BASTA VER, É PRECISO OLHAR.
Zelmar Antônio Guiotto*
A dor faz pensar.
Acredito que
não seja nada fácil escrever um livro em parceria. Lembro uma parceria que
durou mais de quatro décadas, entre os dois maiores escritores argentinos do
século XX: Jorge Luis Borges e Adolfro Bioy foi causado por um iogurte. Talvez,
tenham lido sobre o “Kefir caucasiano”. Eles foram para uma casa e juntos
escreveram quase duas dezenas de páginas. Um folheto aparentemente científico,
em que exaltavam as qualidades da fermentação bacteriana e que a mesmo era até
um elixir para prolongar a vida. Em pleno século XXI, com todo o problema de
imigração, pobreza, onde o tempo e o amor é líquido, dois frades, com formação
acadêmica, escrevem um livro para exaltar a vida onde “lá onde a vida dói.”: a
vida dos animais. O título da obra, ao meu ver, não tem nada de pudor, é
provocativo e dá asas à imaginação: A vida dos Outros. Creio que acertaram,
pois o animal sempre fez parte da vida animal humana. Acredita-se, que hoje, os
animais de estimação que convivem com os humanos que habitam só ou em família
ultrapassa milhões. No Brasil, basta ler os dados divulgados pela pesquisa
Nacional de Saúde (PNS 2013), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) e divulgada recentemente.* A pesquisa aponta que os
brasileiros tem 52 milhões de cães e 22 milhões de gatos e acrescenta que há
mais animais de estimação do que crianças. Mas, o livro não é para alimentar
este seguimento de animais de estimação, bem cuidados, mas sim para expor o
sofrimento dos “pobres”, dos animais pobres, dos que não são estimados, mas são
confinados em currais degradantes, para alimentarem as bocas insaciáveis dos
humanos e o deus Mercado que tudo devora.
Vejamos um
excerto da Introdução do livro dos Outros, a vida:
Olhar a partir da
vítima.
“A dor faz
pensar, mas pensar dói. (...) O sofrimento e a morte dos animais, seres vivos
que nos são dados a conviver nesta terra de Deus, nos levam a pensar nestes
dois sentidos: acolher o sofrimento dos seres vivos, dos animais, e portar o
socorro da ética e da teologia. (...) O primeiro olhar é viciado pelo hábito,
que é seletivo, só enxerga sob um primas. Até que a figura se mostre desde
outra possibilidade, somos capazes de afirmar que não há outra realidade senão
a que vemos. Mas, de repente, num insight, surge algo novo, e o que era
continua sendo, mas o que não era se instaura de tal forma que não mais podemos
nos livrar do novo modo de conhecimento. É o que acontece com quem compreendeu
e ousa afirmar que, para além do ser humano, há os animais que precisam ser
incluídos na esfera de moralidade e de direitos e, mesmo, de reconciliação, de
perdão e de louvor diante de Deus. É o que acontece com quem sempre tratou os
animais como objeto, propriedade, mercadoria, brinquedo, mas, de repente, ou
não tão de repente, revoluciona o olhar e passa a ver nos animais seres vivos
sensíveis, alguém e não algo, e com grau ou modo de consciência própria, que
merece a nossa consideração e respeito. (...) O primeiro passo para a
metamorfose da consciência, não sem dor, não pode ser outro senão aprender a
olhar. Não basta ver, é preciso olhar. E não basta olhar, é preciso escutar.
Ver e escutar diferentemente, e diferentemente significa, neste caso, olhar a
partir da vítima e não dos interesses e das justificações prévias do vitimador,
segundo o “princípio-libertação”.
(SUSIN, Luiz Carlos e ZAMPIERI, Gilmar. A vida dos outros: ética e
teologia da libertação animal. SP: Paulinas, 2015, pág.11 a 21). Título do
excerto, meu.
* Blogueiro. Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário