segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Ascensão e queda

 Por Denis Lerrer Rosenfield*

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Há um caminho aberto para lideranças de direita, conservadoras ou liberais, capazes de se distanciarem das posições de extrema direita de Bolsonaro

Enquanto Bolsonaro usufruiu da plenitude de seu poder, apresentou uma série de aspectos políticos que o colocariam como um líder da extrema direita, embora essas características se façam igualmente presentes em líderes esquerdistas. Enfatizaria que se trata de aspectos políticos, pois na seara econômica, graças à atuação do ministro Paulo Guedes, o liberalismo econômico se fez presente, favorecendo uma economia de mercado e propondo uma redução do papel do Estado, apesar de interesses corporativos do então presidente terem sido igualmente atendidos. Poder-se-ia, talvez, dizer que é do jogo.

Do ponto de vista político, eu gostaria de ressaltar os seguintes aspectos:

l uma liderança de tipo carismático, alicerçada numa relação direta com os cidadãos, sobretudo de sexo masculino, que seriam, conforme a sua posição, os fundamentos mesmos da atividade política e, até, da cidadania;

l uma estética da força, particularmente presente nas motociatas em que milhares de motociclistas, com casacos de couro, alguns provavelmente armados, faziam demonstrações de força e de potência;

l uma milícia digital altamente mobilizada, capaz de capturar a opinião pública com o objetivo de mostrar, muitas vezes ao arrepio de qualquer verdade, que suas opiniões, por mais toscas que fossem, seriam verdades incontestáveis;

l chegou a ser, então, considerado como um “mito”, uma caricatura canhestra do Duce ou do Führer, segundo a qual a sua palavra teria um valor absoluto. As maiores barbaridades foram, assim, acolhidas como algo natural do embate político;

l a mentira tornou-se, então, um componente essencial de sua atuação, suscitando a adesão de seus “militantes/milicianos digitais”, que passaram a agir segundo essas máximas da ação;

l a carência completa de critérios morais, algo particularmente presente na ausência total de compaixão para com as vítimas da covid. Nenhum hospital e nenhum cemitério foram sequer visitados. Em lugar disso, surgiu uma ironia macabra com as pessoas atingidas pela doença e para com os seus familiares, fazendo com que Tânatos, o deus grego da morte, triunfasse sobre Eros, o da vida;

l desprezo completo para com as instituições democráticas, fazendo bravatas conforme as quais as ordens oriundas de autoridades republicanas não deveriam ser obedecidas, pois sua palavra seria de maior valor. O combate contra as urnas eletrônicas foi sua manifestação mais visível.

Em sua derrota eleitoral, para além da demora em ter reconhecido a sua queda, mostrou-se como um personagem menor, que em nada lembrava o líder de poucas semanas atrás. Fugiu – assim poder-se-ia dizer – para a Flórida, numa paródia de visita à Disney, ausentando-se do debate político. Talvez seja pertinente dizer que se escolheu como não líder. Deixou seus partidários completamente ao léu, sem norte nem direção, que passaram a agir conforme suas diretrizes anteriores, culminando naquela ópera bufa do dia 8 de janeiro. Réquiem de um golpe que já tinha sido anteriormente frustrado nos meios militares. Ficou bem albergado numa mansão, ao sol, deixando os seus simpatizantes na chuva e no frio.

Note-se a respeito que, no momento em que conseguiu arrecadar R$ 17 milhões, supostamente para pagar multas, ficou com todo o dinheiro para si, como se não devesse prestar contas a ninguém. Ainda fez uso da ironia dizendo que tomaria caldo de cana e comeria pastel. São as comidas mais caras de toda a história brasileira! Por que, num ato de solidariedade para com os seus, não distribuiu esse dinheiro para os seus partidários presos, pagando os seus advogados e os ajudando a sustentar suas famílias? É a mesma ausência de compaixão que demonstrou para com as vítimas da covid. Não se portou como um líder, pensando exclusivamente em si!

Regressando ao Brasil, mostrou ser uma pessoa medrosa, receando, acima de tudo, ser preso. Parou de atacar as autoridades judiciárias que poderiam colocá-lo na prisão, fazendo de tudo para que isso não acontecesse. Um líder que se mostrava sem medo aparece por este acometido, como faria, aliás, todo cidadão comum. Ocorre que, no poder, atuava como uma pessoa fora do comum. Pense-se em líderes como Mussolini, Hitler e Chávez. Recentemente, entre nós, algo semelhante aconteceu com o presidente Lula. Todos foram em um momento ou outro para a prisão e lá, paradoxalmente, desenvolveram toda uma atividade política que os cacifou para o exercício do poder. Não tiveram medo e souberam enfrentar intempéries. Nesse sentido, a atuação de Bolsonaro é a de uma pessoa que perde a potência tanto exibida. Recolhe-se a uma vida semiprivada, tornando-se funcionário de um partido que, simplesmente, aposta em seu capital eleitoral remanescente. Preocupa-se com o salário, e não com sua liderança.

Abre-se, portanto, aqui todo um caminho para lideranças de direita, sejam conservadoras, sejam liberais, capazes de se distanciarem dessas posições de extrema direita.

*PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR

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