Paulo Fernando Silvestre Jr.*
Em uma das cenas mais emblemáticas da animação WALL-E (2008), o comandante McCrea luta contra o piloto automático da futurista nave Axiom, cuja inteligência artificial havia decidido que permanecer vagando indefinidamente pelo espaço seria o melhor para seus passageiros. Já o comandante entendia que deveriam voltar à Terra depois de sete séculos, para repovoar o planeta.
Temos muito a aprender com essa cena. Dados nos ajudam enormemente a tomar boas decisões, mas eles não são suficientes. Em muitos casos, a melhor escolha depende do uso de nossas emoções, de nossa humanidade.
A inteligência artificial se baseia em padrões passados para traçar estratégias inéditas, mas ela é incapaz de alterá-los. Por isso, o piloto automático estava disposto até a liquidar seu comandante, pois trabalhava com a informação e uma diretiva de que a Terra era um local insalubre, da época em que a Axiom iniciou sua jornada. McCrea, por sua vez, diante de evidência de que o planeta teria se revitalizado, decidiu que valia a pena arriscar o regresso.
A presença da inteligência artificial vem crescendo geometricamente em nossas vidas. Muitas empresas buscam o desenvolvimento da “inteligência artificial geral”, aquela que não se limitará a desempenhar uma função específica, sendo capaz de “pensar livremente” sobre qualquer tema, como a mente humana. Seus gestores tentam convencer governantes e a população de vários países que esses sistemas seriam a melhor opção para melhorar a vida, “corrigindo imperfeições” de componentes da sociedade, como serviços públicos e instituições.
Se isso se concretizar, correremos sério risco de ver máquinas tomando decisões ruins, apesar de fundamentadas em informações corretas, a exemplo do piloto automático da Axiom. Quando uma escolha afeta a vida de todo mundo, é necessário muito mais que dados: precisamos de sentimentos e de subjetividade, para ver além da frieza dos algoritmos.
Vale lembrar que, na mesma animação, a Terra se tornou um lugar insalubre graças ao consumo desenfreado a partir de campanhas da megacorporação Buy-n-Large, que, em nome de “vender mais para fazer o bem a todos”, provavelmente foram criadas por algoritmos. Devemos evitar ao máximo que uma empresa tão poderosa assim exista, apesar de já termos várias candidatas ao cargo entre as gigantes de tecnologia.
Que fique claro: não combato a inteligência artificial! Pelo contrário, sou um entusiasta da tecnologia, que abre incríveis possibilidades para a humanidade nas mais diversas áreas. Apenas não podemos entregar todas as nossas decisões a máquinas.
Em outro contexto, mas perfeitamente aplicável aqui, o suíço Carl Jung, fundador da psicologia analítica, disse: “conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.” Por isso, nossa crescente colaboração com as máquinas rende incríveis frutos, mas precisamos continuar controlando o timão da vida com nossa humanidade.
* LinkedIn Top Voice e Creator, Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital, consultor de customer experience, mídia, cultura, reputação e transformação digital, professor, jornalista. @paulosilvestre
Nenhum comentário:
Postar um comentário