Por Bruno Nogueira
Juan CaviaSOMOS FEITOS das escolhas que fazemos. Todos os dias damos por nós
presos a um jogo que a força do hábito faz com que quase nos esqueçamos
que o estamos a jogar, mas que nem por isso deixa de somar
consequências: de entre tudo o que temos pela frente, que escolhas vamos
nós fazer? Mal abrimos os olhos pela manhã, começamos logo a tentar
acertar; e à hora a que nos vamos deitar, é bem possível que já tenhamos
tomado mais decisões do que aquelas que conseguimos contar. Viver é por
si só uma escolha, e é essa (a maior de todas) que traz tantas outras
atrás dela. Há tantos caminhos possíveis ao longo da vida que é fácil
errar em muitos.
Há outra maneira de ver as
coisas que é bem mais optimista e dá descanso à cabeça: tomámos sempre
as melhores decisões que conseguimos, tendo em consideração todas as
hipóteses que tínhamos em mãos. Mas eis que surge um bicho de muitas
pernas e braços, que se planta no interior das cabeças inquietas, para
fazer a fatídica pergunta: “E se?” Se não soubermos domesticar a
pergunta, o vírus do “e se?” alastra-se pelo corpo todo, deixa-nos o
peito aos encontrões e afoga-nos em dúvidas. Pontos de interrogação que
ganham tamanho e ficam o dobro de nós, até sermos só sombra. O vírus do
“e se?” manifesta-se depois de já termos tomado uma decisão. Semeia-nos
na cabeça pequenos excertos do que teria sido aquele fragmento da nossa
história se tivéssemos escolhido outro caminho em vez daquele pelo qual
optámos. Que outra versão de nós é que seríamos se naquele dia
tivéssemos escolhido o “sim” em vez do “não”. O “e se?” é uma âncora que
nos puxa com força para o fundo, e que faz turvo o caminho que dávamos
como certo. Ficamos tão presos ao que não escolhemos que o sítio onde
estamos quase parece não ser feito do que é, mas sim de tudo o que podia
ter sido.
Essa pergunta que nos encurta o prazer do que
acabámos de escolher às vezes aparece nas situações mais banais: “e se
tivesse aceitado ir sair com os amigos que me convidaram?”, “e se
tivesse escolhido outro destino de férias?”; ou em mergulhos mais
fundos: “E se eu tivesse arriscado um outro amor em vez deste?” O “e
se?” pode ser um formigueiro na cabeça, ou uma febre morna até ao dia em
que morremos. Tem vários tamanhos, e pode consumir-nos a alma até
sermos só hipóteses que não chegaram a acontecer. Fazer as pazes com
isso é trabalho de uma vida inteira, mas nem assim é certo que tenha o
efeito tranquilizante tão desejado.
Por cada decisão que tomamos há pelo menos mais uma que
estamos a rejeitar. Estamos a dar um passo numa direcção que pode nem
sempre ser a melhor, mas que foi a que mais nos seduziu de entre todas.
Escolher é saber dizer que não a muitas histórias, é arriscar uma porta
num corredor onde estão duas ou mais. Mas há uma armadilha que se
esconde em cada escolha: só depois de a validarmos é que podemos começar
a descobrir se acertámos ou não. É um mergulho para o escuro, onde não
há água ou nada que se pareça à vista para amortecer a queda. Antes do
salto apenas podemos avaliar se o queremos dar, mas nunca o que nos
espera no embate. Uma má escolha pode ser um peso que quase nos deixa
sem respirar, porque tem o requinte de malvadez de ter estado sempre
ali, mesmo ao lado de uma escolha boa. Estavam todas à distância de um
braço, mas o instinto fez com que nos debruçássemos para espreitar uma
delas, aquela que julgávamos ser a que nos cumpria mais. E nesse espaço
de nada, o “e se?” espreguiça-se para se mostrar de dentes à mostra e
olhos semicerrados.
No meio de tantas estradas que ficaram à espera de serem
percorridas por nós, resta-nos o descanso de sabermos que aquelas por
onde andámos hão-de ter somado sempre qualquer coisa. Mesmo que nem
sempre tenham sido as melhores, foi o facto de terem sido acidentadas
que nos ajudou a apurar mais as escolhas que vieram a seguir. Afiaram a
nossa intuição. Escolher mal às vezes pode acrescentar mais do que
escolher bem, embora só se consiga ver isso depois do tempo fazer o seu
trabalho.
O “e se” pode engolir-nos, porque não nos traz nada que não
seja o que já não há maneira de ser. Projecta-nos para um futuro
paralelo onde nos podemos ver, mas onde não podemos ser. A felicidade
esconde-se naquilo que fazemos com as escolhas que fizemos. Sabê-las
imperfeitas é meio caminho andado para adormecer a pergunta que está
sempre a querer espreitar. Às vezes tenho inveja dos que são imunes a
este vírus, como se a vida deles fosse quase só feita de certezas. Mas
depois penso: e se eu precisar dessa dúvida para ter a certeza?
*Humorista
Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfico
Fonte: https://www.sabado.pt/opiniao/cronistas/bruno-nogueira/detalhe/e-por-ali-mas-e-se-nao-for?&utm_source=Newsletter&utm_campaign=Editorial_S%c3%a1bado_EdicaoManha+-+Alive&utm_medium=email&sfmc_segment=Alive&sfmc_term=Alive##utm##
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