por Juremir Machado da Silva*
Gilberto Schwartsmann tomou posse na Academia Rio-grandense de Letras com o discurso mais bonito que já ouvi em cerimônias desse tipo. Poucas vezes se viu tanta gente numa cerimônia do tipo. Faltou lugar no belo Salão Mourisco da BPE/RS. Leia a íntegra, a seguir.
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“Ilustre presidente da Academia Rio-grandense de Letras Airton Ortiz, ilustres acadêmicos, ilustres secretária de Estado da Cultura, Beatriz Araújo, ilustre secretária de Estado da Educação Raquel Teixeira, demais autoridades, familiares e amigos, senhoras e senhores. Diretora Ana Maria de Souza e presidente Alcides Stumpf, obrigado pela gentileza de autorizar a realização desta cerimônia em nosso lindo salão mourisco, da Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul – e que tanto amamos.
O ilustre acadêmico Alcy Cheuiche, em cujas veias corre o sangue árabe-berbere, deve gostar do som da palavra “mourisco”, que vem lá da mourama, a terra dos mouros. eu adoro: “isco”! Para quem saboreou as histórias das “mil e uma noites”, que minha irmã mMargareth lia para mim quando criança, o “isco” da palavra “mourisco” lembra-me o assovio do golpe certeiro da cimitarra. É a espada de lâmina curva, com a qual o sultão Shariar, num movimento rápido, cortava as cabeças das belas princesas com quem se casava. Eram assim as histórias da princesa Sherazade e das “mil e uma noites”, do sultão Shariar, que fora traído pela esposa e depois de matá-la e ao seu amante, passa a cortar a cabeça de cada noiva após a noite de núpcias. Isso até ele conhecer a linda princesa Sherazade, por ela se apaixonar e, como eu, ficar curioso com as intermináveis histórias das “mil e uma noites”.
Ilustre acadêmico Franklin Cunha, meu padrinho nesta cerimônia, enquanto minha irmã Margareth alimentava com literatura a minha fantasia, meu irmão Carlos Roberto me fazia saborear os encantos da medicina. Os dois me estimularam a seguir dois caminhos igualmente belos, mas distintos, como o de “Swann” e o dos “Guermantes”, na obra “Em busca do tempo perdido”, de Marcel Proust.
Meu querido e ilustre acadêmico Luiz Osvaldo Leite, a ciência e a cultura me trouxeram muitas alegrias e realizações. Mais que isso, minha vida foi sempre adornada pela arte.
Minha mãe recitava tantas poesias de memória! De Augusto dos anjos: “viste, assiste ao formidável, o enterro da tua última quimera”! Do camões lírico: “ah, o amor! Esse não sei o quê, que vem não sei de onde, e dói não sei por quê!”.
Eu cresci entre os livros. Jamais recebi um “não” de meus pais, se o assunto fosse livro. Lembro de meu pai entrando em casa contente, trazendo-me uma edição da enciclopédia Mirador, que eu havia pedido a ele. Na adolescência, foi dona Giselda, minha professora, que sempre aparece em meus textos, quem me aconselhou a ler a “Divina comédia”, do grande poeta Dante Alighieri.
Ah, meu querido Armindo Trevisan, como é linda estrofe em que Dante, ao chegar no purgatório, ele descreve a cor do céu: “dolce color d’oriental zaffiro”! Como é linda a poesia, ilustre acadêmico Rafael Jakobsen – que tanto me apoiou nesta jornada rumo à Academia!
Há uma parte no “Quixote”, em que Cervantes se refere aos passarinhos que cantam pendurados nos ramos das árvores. Ele descreve os passarinhos a cantar como “inquilinos alados a tocar suas doces flautas”. Cervantes toca o meu coração. É ele o Alonso Quijano, que de tanto ler novelas de cavalaria, do rei Arthur da távola redonda, de Amadis de Gaula ou do imperador Clarimundo, enlouquece, para viver as fantasias do “Quixote”.
Na parte final da obra, quando Cervantes tem de descrever a morte de Alonso Quijano, ele – o narrador da obra – sofre como se perdesse um amigo verdadeiro. Ele lamenta: “quero decir que se murrió”.
Foi um sentimento de amizade, algo fraterno, o que recebi dos ilustres acadêmicos. No lançamento do livro “o inventor da eternidade”, de nosso grande escritor Liberato Vieira da cunha, o ilustre acadêmico Ruben Daniel Castiglione saudou-me: “te espero na academia”. “Na Academia?”, respondi eu, falsamente surpreso – eu queria muito estar na Academia. Contudo, ilustre acadêmico Roberto Schmidt-Prym, eu fiquei com medo do “canto da sereia”, como descreveu Homero, na “Odisseia”.
Eu escutei suas palavras – emocionado e feliz por dentro – mas reagi como Capitu, no “Dom Casmurro”, de Machado: com “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”. Resolvi seguir o conselho da feiticeira Circe, que na “Odisseia”, de Homero, alerta Ulisses quanto ao irresistível “canto da sereia”, pois é este canto perigoso que atrai os marinheiros e pode levá-los ao naufrágio. Como Ulisses, eu tratei de pôr cera em meus ouvidos e agarrar-me fortemente ao mastro do navio. Mas logo percebi que o canto era doce e suas notas musicais vinham dos acadêmicos. Era como a bela música que não precisa ser tocada, apenas sentida – como a “Sonata de Vinteuil”, na obra de Proust. Assim, minha história com a Academia começa como no poema de Alberto Caeiro, heterônimo de pessoa: “num meio-dia de fim de primavera… e como uma fotografia…”
Encontro o ilustre acadêmico Antônio Carlos Cortes na saída de um concerto da Orquestra Sinfônica. Ele sorri, de longe, para mim, como quem diz: “És bem-vindo na Academia”. Meu querido amigo Elvio Funck, por quem nutro uma enorme admiração por ter traduzido a obra completa de William Shakespeare, eu confesso que me senti como o Elfo Puck, de “Sonhos de uma noite de verão”! Ao contrário do “Cântico negro”, do poeta português José Régio, quando diz: “vem por aqui”, eu não fui. Decidi permanecer onde estava, em meu disssimulado silêncio.
Mas eu me sentia como Felicité – a personagem da humilde empregada da casa, no conto “Uma alma simples”, de Flaubert, que fica encantada quando ganha o seu único presente na vida: o papagaio Lulú. Meu desejo era ingressar na Academia, mas dentro de mim – para meu infortúnio – morava também uma espécie de Iago, personagem de Shakespeare, em “Othelo”. e o dissimulado Iago me aconselhava a fingir certa indiferença. Logo depois, a ilustre acadêmica Jane Tutikian me enviou uma mensagem: “nós te queremos na Academia”. E meu Iago respondeu com falsidade: “Tal ideia jamais passou por minha cabeça”.
Se Shakespeare descreveu como ninguém os tipos humanos, Proust e seu contemporâneo Sigmund Freud, meu caro doutor Sergio de Paula Ramos, aprofundaram-se no “lago desconhecido” da mente dos homens. Nós sabemos fingir, quando queremos. Mas mentir não é novidade na literatura. Não há ensaio literário mais maravilhoso do que “A decadência da mentira”, de Oscar Wilde.
Wilde diz que a mentira é a essência da arte. Pessoa nos avisa que “o poeta é um fingidor, finge tão completamente, que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente”. Eu queria, sim, a Academia, meu querido amigo Paulo Amaral! Como o nobre escocês Macbeth, depois de eu ter ouvido sobre o meu destino, das três bruxas que havia no caminho, segui a galope em direção ao castelo de rei Duncan. Eu não pretendia assassinar nenhum rei, para ganhar uma vaga na academia, como lady Macbeth sugeriria, meu querido Élvio, mas meu desejo de ingressar na academia era imenso. Escondi esse desejo até de minha esposa Leonor e de meu editor, Luís Paim, da editora sulina. Eu parecia outro – completamente transformado. Pensei: terei eu me tornado uma barata, como a personagem da “Metamorfose”? Ou um réu sem crime, como “Joseph K”, de “O processo”, de Kafka?
Ilustre acadêmico e vice-presidente Rossyr Berny, por não me sentir um escritor reconhecido, achei que minha entrada na Academia poderia ser vista como um daqueles pecados passíveis de castigo nos nove círculos do inferno de Dante. Um pecado como o de Francesca de Rimini, meu querido poeta Armindo Trevisan, na “Comédia” de Dante, quando ela e o cunhado Paolo Malatesta se beijam, apaixonados, após lerem juntos um poema. Lembro que na “Comédia”, Dante deixa clara a punição de Francesca e Paolo. Eles são assassinados pelo marido traído, e têm de aguentar ventanias insuportáveis no inferno!
A pena do marido foi pior, pois Dante tolerava melhor a luxúria do que as mortes violentas. Eu fiquei com certo medo, mas resolvi seguir adiante, como recomendaria o meu querido amigo e grande ator, José Adão Barbosa. Ele me recitaria o poema de Yeats, que tanto aprecia: “Lance um olhar gélido à vida, à morte, cavaleiro, e siga em frente!” Eu poderia, talvez, esperar. Quem sabe, publicar um pouco mais e depois pensar na Academia. Professora Vera Barroso, que sabe tanto sobre lisboetas e açorianos, minha mãe ensinou-me sobre a paciência, declamando poemas de Luis de Camões: “Sete anos de pastor Jacó servia a labão, pai de Raquel, serrana e bela, mas não servia ao pai, servia a ela”. E “os dias, na esperança de um só dia, passava Jacó contentando-se em apenas em vê-la”. Mas labão, pai de Raquel, usando de cautela, não lhe deu Raquel, mas a irmã mais velha, Lia.
Professora Maria Luiza Berwanger da Silva, o pobre Jacó, no Antigo Testamento, teve de servir por mais sete longos anos, para ter a mão de Raquel, sua amada – foram catorze anos de espera! Ora, se Jacó, na Bíblia sagrada de meus antepassados hebreus, esperou por tanto tempo para ter Raquel, meu querido amigo e grande artista Carlos de Britto Velho, eu talvez pudesse esperar um pouco mais pela academia. A jornalista Tânia Carvalho, que eu amo tanto – e ela ama os livros – sabe muito bem que Camões conclui a poesia, dizendo, resignado: “ara tanto amor, tão curta vida!”
Eu pensei: Jacó esperou catorze anos por Raquel … e eu esperarei? Se conto com a simpatia de alguns acadêmicos, que pecado haveria em concorrer agora? Pensei no que aprendi com Zoravia Bettiol, grande artista e minha amiga: a coragem e a determinação. E decidi: “vou por aí!…“ Deus e o diabo é que guiam, mais ninguém, todos tiveram pai, todos tiveram mãe, mas eu, que nunca principio, nem acabo, nasci do amor que há entre deus e o diabo…” diz o Cântico negro de José Régio.
Num evento no Theatro São Pedro, o ilustre acadêmico Luís Coronel, sempre tão carinhoso comigo, disse-me: “Te quero na Academia!!”. Como Enéas, o herói troiano, na “Eneida”, de Virgílio, eu me vi em ´Itaca! E passei a me imaginar acadêmico. Como a vaidade nos cega, meu querido professor Miguel Espírito Santo! Como no conto de Machado, “Elogio da vaidade”, senti-me o mais poderoso homem na face da terra! Doce ilusão… depois pensei melhor e percebi que há na “Eneida” uma espécie de terceira personagem: o destino. E se o meu tempo tivesse chegado? Não o tempo de Leopold Bloom, no “Ulisses” de Joyce, meu querido amigo Juarez Ribeiro, em que tudo se passa num só dia! Mas o tempo de meu desejo, como nos ensina Nietzsche. Meu amor pela Academia era silencioso, mas ardente, como o de Florentino por Fermina, no “Amor nos tempos da cólera”, de Gabriel Garcia Márquez.
E para ingressar na academia, o ilustre presidente não me impôs o sacrifício que pesou nos ombros de Anna Karenina. Não precisei abandonar todo o meu passado pelo novo amor. Ao contrário da obra clássica de Tolstoi, eu continuo médico e presidente da Orquestra Sinfônica. Tampouco o meu novo amor – a Academia – seria o amor sem esperança de doutor Jivago por Lara, nas neves russas da imaginação de Boris Pasternak. Nem a paixão doentia do juiz Frollo pela bela cigana Esmeralda, no “Corcunda de Notre Dame”. Em meu silencioso desejo de ingressar na Academia, Quasímodo não precisou raptar a bela Esmeralda, apenas ocultá-la por um tempo, entre os sinos da catedral de Notre Dame. Meu amor pela Academia, eu juro, é puro como o de “Romeu e Julieta”, mas sem o final trágico e as disputas de Montequios e Capuletos, da obra de Shakespeare.
Ilustre acadêmico Degrazia, eu me senti o homem mais feliz do mundo. Contudo, tão logo comecei a pensar em meu discurso de posse, o espírito de Raskolnikov pulou das páginas de “Crime e castigo”, de Dostoievski, e passou a me ameaçar com o fio de seu machado. Seria eu o Fausto, de Goethe, que vendeu a sua alma à Mefistófeles, em troca de ter os seus desejos realizados? Por que seria eu o eleito para a academia e não outro? Por que seria eu o Hércules, filho de Alcmena e de Zeus, meu querido professor Francisco Marshall, a beber o leite mágico dos seios da deusa hera? A ambivalência do príncipe Hamlet passou a me atormentar. Há tanta gente com maior envergadura literária do que eu! Que juízo fariam de mim nossos grandes autores? Juremir Machado da Silva, Sergio Faraco, Leticia Wierzchowski, Liberato Vieira da Cunha, Carpinejar, Martha Medeiros! Flávio Tavares, cujas obras e textos nos ensinam tanto sobre a coragem e o amor à natureza; Jeferson Tenório e sua floresta repleta de “jabutis”! a lista de quem deveria estar na Academia antes de mim tornou-se assustadora.
Eu me senti, ilustre professor Luís Osvaldo Leite, como o capitão Ahab, a enfrentar “Moby dick”, de Herman Melville. E meus amigos que receberam o prêmio açorianos de literatura? E os patronos da Feira do Livro? E os críticos teatrais? E meu amigo Antônio Hohlfeldt? E os grandes do nosso teatro? Luís Paulo Vasconcelos, Sandra Dani, Luciano Alabarse, José Adão Barbosa – meu querido amigo – Dilmar Messias, Arlete Cunha! E os professores de literatura! Professora Maria Luiza Berwanger da Silva, Lea Masina, Sergius Gonzaga! Regina Zilbermann, Luis Augusto Fischer! professora vera Barroso! Francisco marshall, com o Studio Clio e suas contribuições filosóficas! Elvio Funck, que traduziu as obras completas de Shakespeare! Meu querido Hique Gomez, com a sua imaginária Sbórnia, uma “Macondo”, de “Cem anos de solidão”, de Gabriel Garcia Márquez, em plena cidade de Porto Alegre. Meu amigo Lênio Streck e seus encontros sobre “direito e literatura”. Nossos grandes nomes da sétima arte: Carlos Gerbase, Jorge Furtado! Denis Rosenfield e suas obras filosóficas e ensaios sobre política!
Como as cargas impiedosas dos canhões de Maomé II, a bombardear as muralhas de Constantinopla, minhas noites de insônia cobravam de minha consciência a injustiça de minha candidatura. Ilustre acadêmico Franklin Cunha, meu padrinho nesta noite, foi então que se deu “o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes”, descrito nos evangelhos de Marcos e de Mateus. Lembrei-me do “Tempo redescoberto”, de Marcel Proust. Sim! Foi a literatura a janela que fez a personagem de Marcel vislumbrar que havia um facho de luz “na entrada da caverna”. A literatura o libertaria. Pensei também no “Assim falou Zaratustra”, de Nietzsche. Quem sabe, eu teria o direito de desejar a Academia. Por que não? Foi Nietzsche, meu querido José Adão Barbosa, quem trouxe paz à minha ambivalência.
Dona Eva Sopher dizia que “uma sociedade sem arte é uma sociedade sem ar”. Para mim é igual: a cultura é como o ar que respiro. E se Nietzsche falou de um niilismo amargo, como sentia a personagem do jovem Bazarov, em “Pais e filhos”, de Turgueniev, eu lembrei que ele também falou de outras formas de niilismo, muito mais construtivas. O filósofo fala que é a vontade que nos move! O “eterno retorno”, de Nietzsche, é uma forma de niilismo positivo, que nos empurra para frente. E cá estou, meu amigo e brilhante diretor de teatro Luciano Alabarse, na noite de minha posse, como uma “Dorian Gray”, de Oscar Wilde, a olhar-se no espelho. Ou como um “Jean Valjean, de “Os miseráveis”, de Victor Hugo, livre da perseguição do inspetor Javert, pronto para realizar um ritual que cultua a imortalidade acadêmica.
Repetida à cada cerimônia de posse de um novo acadêmico, é ela – a memória – o que garante ao acadêmico a imortalidade. Como dizia Borges e, antes, Eliot, um escritor é a soma de todos os escritores que vieram antes dele. A cadeira 32 da Academia Riograndense de Letras tem como patrono Pedro Velho, um poeta muito popular em nosso Rio Grande, ao início do século XX, que publicou muitas de suas poesias e sátiras em jornais. Esta cadeira foi depois ocupada por Augusto de Carvalho. É interessante que, na capa de uma de suas obras, intitulada “Bilhetes para uma valquíria”, Erico Veríssimo dá sobre ele um testemunho: “Nos bons e nos maus momentos, Augusto de Carvalho foi uma voz clara e segura a serviço da democracia”. Isso não é pouca coisa, meu amigo e jornalista Flavio Tavares. Depois, quem ocuparia a cadeira 32 é o nosso Luis Antonio de Assis Brasil, hoje elevado à condição de acadêmico emérito, autor de romances maravilhosos!
Eu me deliciei com a leitura de “Um quarto de légua em quadro”, “Bacia das almas” e outras de suas obras de grande qualidade.
Meu ilustre acadêmico Franklin Cunha, eu considero o mundo dos livros, das bibliotecas e das pessoas cultas e sensíveis, o que pode haver de melhor nesta vida. Acredito no “mito de Prometeu”! Quando Prometeu rouba o fogo dos deuses do Olimpo, meu querido professor Antônio Hohlfeldt, ele dá aos homens o conhecimento e com ele a possibilidade de controlar o seu próprio destino. O livro é um instrumento precioso que nos faz desenvolver a imaginação. Adolescente, eu espiava Erico Veríssimo, sentado com dona Mafalda, na varanda de sua casa, no bairro Petrópolis. E pensava sobre o que poderia se passar em sua mente, para produzir tão linda literatura.
Foi Erico quem me fez amar as delícias do pecado. Eu li e reli “Olhai os lírios do campo”! E entendi instantaneamente o amor proibido de Eugenio por Olivia! Rezava para que ele deixasse a esposa Eunice e caísse nos braços de Olivia! Tornei-me leitor pela força que exerceram sobre mim as páginas dos livros. a leitura me conquistou, meu querido amigo e poeta Rogerio Xavier, pois percebi que, através das páginas dos livros, eu poderia fazer viagens inimagináveis.
Pelas asas dos livros, eu pude viver outras vidas e outros tempos. Em “A montanha mágica”, de Thomas Mann, eu me senti contaminado pela personagem do jovem Castorp. Eu era mais um entre os tuberculosos do sanatório de Davos! eEu quero estar na Academia, porque sei que os ilustres acadêmicos amam as bibliotecas, como Sancho pança amava dom quixote; porque eu gosto de olhar para um livro, sentir o seu perfume, tocá-lo, de longe, observá-lo numa estante e imaginar os seus segredos. Borges dizia que sua “biblioteca de Babel” era infinita, e quando a humanidade desaparecesse, seria ela – a biblioteca – o testemunho da passagem do ser humano pela terra.
Como os ilustres acadêmicos, eu tenho a compulsão quase doentia por adquirir livros que – eu sei – jamais terei tempo de ler. E mesmo assim, eu os adquiro… Meu querido professor José Rivair Macedo, nós dois sabemos o poder que tem a palavra! “A palavra é uma arma poderosa”, dizia Victor Hugo! Como eu, os ilustres acadêmicos se emocionam com uma primeira edição, com uma obra rara que alguém exibe, ou mesmo com uma dedicatória misteriosa. Como os ilustres acadêmicos, eu adoro reencontrar os meus amigos entre os jacarandás em flor, da praça da Alfândega, durante os dias de Feira do Livro. Para um acadêmico, meu amigo Alcides Stumpf, o livro é um diamante – como “o Aleph”, do conto de Borges. Ou como o velho baú contendo um mapa secreto, enterrado nas areias da “Ilha do tesouro”, de Robert Stevenson. Eu sei também que os ilustres acadêmicos acreditarão, se eu disser, que os livros de minha biblioteca conversam uns com os outros. e que eu já vi “Rayuela”, de Julio Cortázar, sair sozinha da estante, para trocar carinhos com “A dama do cachorrinho”, de Tchecov.
Como diria o grande João Simões Lopes Neto, minha querida secretária Beatriz Araújo, minhas “trezentas onças” carregam na guaiaca um imenso desejo de estar na Academia. Como o vaqueano Blau Nunes, personagem de Simões Lopes Neto, eu já cavalguei por bienais de artes visuais, pelos recantos do Theatro São Pedro, por entre estantes desta biblioteca e hoje procuro “o flautista de Hamelin” em nossa orquestra sinfônica. Meu querido mastro Evandro Matté, Richard Wagner dizia que o melhor da arte vem da integração das artes, como os gregos faziam, meu querido Luis Paulo Vasconcelos, ao incluir as vozes dos coros em suas grandes tragédias.
Professora Lea Masina, quem sabe vem daí a justificativa para a minha entrada na Academia: dos meus modestos devaneios literários, somados ao meu amor pela música, pela pintura e pelos palcos teatrais. Meu amigo, o poeta Armindo Trevisan, que festeja nestes dias o seu aniversário, é assim que – humildemente – eu me apresento à Academia. Por crer, como Dante Alighieri, na estrofe final do seu “paraíso”: no “amor que move o sol e as estrelas”.
É esse mesmo am or que me fez percorrer a vida, tão feliz e realizado, ao lado de Leonor, amor de minha vida, e que me ensina “sempre e tanto”; e de com ela trazer ao mundo dois filhos maravilhosos – Laura e Guilherme – e de presente, um lindo neto chamado Daniel. Sim! é esse o amor que faz com que eu me dedique à cultura e às artes, sobretudo ao livro, que é meu amigo e cúmplice de todas as horas. E que me permite, muitas vezes, deixar a escuridão de minha “caverna de Platão”.
Ilustre acadêmico Franklin Cunha, eu estou aqui, porque o livro foi sempre o meu fiel companheiro. Foi minha Penélope, da Odisseia; minha Beatriz, da “Comédia”; minha Dulcinéia del Toboso, “do Quixote”; minha Laura, de Petrarca; e “meu doce Diadorim”, de Guimarães Rosa.
O livro, ilustres acadêmicos, é a minha princesa Sherazade, sempre a me contar histórias que não tem fim, para que possa dormir e sonhar em paz por ‘mil e uma noites’.”Stu
*Jornalista. Escritor. Prof universitário.
Fonte: https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/gilberto-schwartsmann-tomou-posse-na-academia-rio-grandense-de-letras/
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