domingo, 20 de agosto de 2023

Morra sem dinheiro

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Morra sem dinheiro  
Para alguns deve ser difícil gastar todo o dinheiro em vida | Foto: Pix4free

Há uma nova filosofia no ar: morra sem dinheiro. Bacana. Fazia tempo que nada de realmente original aparecia. Ou morra com zero na conta. Existe até um livro publicado sobre isso, best-seller do Wall Street Journal. Nada mais fácil. A maioria esmagadora da população brasileira cumprirá sem dificuldades essa recomendação. A obra, porém, não é destinada a pobres. Ao contrário, mira nos ricos, nos muito ricos, nos super-ricos. A ideia é fazer o melhor possível com o dinheiro em vida e não ficar alimentando gente que, sem trabalhar, terá muito para gastar e ainda vai ficar fazendo apologia das conquistas financeiras individuais. Parece que Bill Gates aderiu.

Não deve ser fácil para alguns, tipo Jeff Bezos, o dono da Amazon, se livrar de tudo o que já acumulou e continua a amontoar. Qualquer centavo não doado irá para as mãos de herdeiros. No meio da tabela tem gente que fez um pé de meia para a velhice e, não sabendo quando vai morrer, hesita em gastar. Duas coisas costumam acontecer: a grana termina antes da vida e aí o bicho ou pega, ou a vida termina antes da grana e aí o herdeiro leva. Algoritmos já estão calculando a data da morte de cada um. A pessoa só fica sabendo se a inteligência artificial acertou depois de morta ou, o que pode ser pior, depois que o dinheiro se foi. Se GPS erra, e como erra, a minha rua que o diga, melhor não confiar totalmente nessas previsões fúnebres artificiais.

Aposentadorias complementares fazem apostas contra a vida de investidores nos planos que garantem renda vitalícia. Se o cara vive muito mais que o esperado, o banco perde. Dá vontade de viver muito só para prejudicar a banca. A criatividade humana, sem dúvida, é ilimitada. Bilhões tentando guardar algum dinheiro até morrer, para viver com alguma segurança, e até deixar um pouquinho para a família, e os muito ricos preocupados em como zerar as contas e não deixar bufunfa alguma a quem quer que seja. Instituições filantrópicas podem ser beneficiadas, o que é bom. De qualquer modo, fica a dúvida: será que essa turma tem ódio da família inteira? Ou cada um já se ajeitou?

Embora essa filosofia esteja fazendo sucesso com aqueles que jamais, salvo se o sol cair sobre nós, ficarão sem dinheiro, as chances de tornar-se a filosofia dominante no mundo são pequenas. Acontece que muita gente só goza acumulando dinheiro. Gastá-lo antes de morrer seria como aceitar parar de respirar ou nunca poder comer ou beber o que se gosta. Morra sem dinheiro tem algo de provocação. É verdade que a partir de certa quantia o dinheiro parece perder o significado. Dizem que Guardiola ganha o equivalente a R$ 11 milhões por mês. Que chato. Precisa de uma equipe multifuncional para dar uso a todo esse dinheiro a cada mês. Imagino o gestor queixando-se:

– Merda, já não sei o que fazer com tanto dinheiro. Alguém dá uma ideia, por favor. Estou sem nenhuma. Todo mês é isso. Droga!

Enfim, fica a dica: morra sem dinheiro. Se precisar de quem aceite generosas doações, só chamar. Afinal, ajudar é bonito.  

*Jornalista. Escritor. Prof. Universitário

Fonte: https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/morra-sem-dinheiro/

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