Barroso assume presidência do STF com discurso a favor de ‘autocontenção e diálogo’ Foto: Wilton Junior / Estadão
Posse de novo presidente do STF teve apresentação da cantora que não está na lista de cantoras mais ouvidas nos aplicativos musicais
Foi bonita a festa da posse do novo presidente do Supremo Tribunal Federal. “Na vida devemos ser janelas e não espelhos e ter capacidade para olhar para os outros e não apenas para si mesmos”, discursou Luís Roberto Barroso, que também falou de independência entre poderes e equidade de gênero. Aliás, o auge do evento, foram as interpretações de Maria Bethânia do Hino Nacional brasileiro e de “Todo o Sentimento”, de Chico Buarque. A cerimônia se tornou uma pequena mostra de um Brasil que tanta gente gostaria que assim fosse - de uma democracia inclusiva, justa, onde os cidadãos podem desfrutar do nosso inegável tesouro cultural.
Mas quem é Bethânia e tantos outros deuses de nossa música que ainda tocam nas playlists e mesmos nas radiolas de vinis nostálgicos quando se comparam com o que o brasileiro em geral gosta? A alta tecnologia das plataformas de streaming permite uma aferição imediata do que a sociedade mais ouve, desfruta, em escolhas que muitas vezes são espontâneas, sem passar por indústrias culturais, decisões de departamento de marketing de gravadoras, ou emissoras de TV.
No dia 4 de outubro deste ano, a canção mais ouvida no Brasil é “Let’s Go 4″, dos djs Mc Kadu, MC Don Juan, Mc Davi, Traplaudo, Mc Gp, MC GH do 7, em que a letra diz o seguinte: “Tem mulher que não depende de homem, problema delas. Um brinde às que depende (sic)”. Essa obra recebe um selo de “E” das plataformas, o que significa que possui palavras ou expressões consideradas ofensivas ou inapropriadas para crianças, devido à violência, discriminação ou referência a conteúdos sexuais. O canal em que essa música está no Youtube conta com 39,6 milhões de inscritos. Vídeos de “Todo o sentimento” na interpretação de Bethânia na mesma plataforma não somam 1 milhão de ouvintes.
Para quem tiver curiosidade, seguem as outras músicas que estão nesta semana na preferência nacional. Em segundo lugar está “Canudinho”, por Gusttavo Lima e Ana Castela; Em terceiro, “Dentro da Hilux”, por Luan Pereira, MC Ryan SP e MC Daniel; em quarto, a também explícita “Faz um Vuk Vuk”, por MC Kevin e Dj Nk da Serra; e finalmente, em quinto, “Solteiro Forçado”, por Ana Castela. Nossos artistas mais consagrados dos cadernos de cultura e homenagens da corte maior não estão nessas listas que são decididas diretamente pelo ouvinte por meio de um clique em aplicativo de celular.
Da música para o cinema. Quem tem o costume de ler páginas e sites culturais brasileiros sabe que duas obras cinematográficas nacionais foram aclamadas nas últimas semanas. Uma delas, foi “Retratos Fantasmas”, película pernambucana indicada para tentar concorrer ao Oscar de melhor documentário, e “Elis & Tom, só tinha de ser com você”, considerado uma obra-prima sobre outra obra-prima, o encontro de nosso maior compositor, Tom Jobim, com a maior cantora, Elis Regina, em álbum de 1974.
Quem assistiu a esses documentários fora do circuito artes dos cinemas, num Shopping, por exemplo, pode ter visto as peças quase sozinho na sala. O Brasil corre em outra rotação. Em primeiro lugar como filme mais visto aqui nos últimos dias está “O Som da Liberdade”, o policial acolhido pela direita mundial como obra de arte, com direito até mesmo a discurso da senadora Damares Alves em uma sessão. Nas bilheterias, o filme é seguido por “Jogos Mortais X”, “A Freira 2″, “Resistência” e “Patrulha Canina: um filme Superpoderoso”.
Voltando à questão musical, o álbum “Clube da Esquina”, de Milton Nascimento e Lô Borges foi escolhido o melhor disco brasileiro de todos os tempos por especialistas de diferentes áreas ligadas à produção musical (jornalistas, youtubers, podcasters, músicos, produtores, etc). No Brasil real, os dois meninos da capa do disco de 1972, Tonho e Cacau, só souberam da existência da obra em 2012 e ainda processaram os autores por uso indevido das imagens. Tonho nunca tinha ouvido falar em Milton, achava que era um “ministro”. Essa distopia aconteceu em Nova Friburgo, a apenas 140 km do Rio de Janeiro, cidade que tenta sobreviver como capital cultural brasileira.
Um dos termos mais pejorativos na briga política é “elite”. Integrantes e simpatizantes do Partido dos Trabalhadores, com tantos anos de predominância no poder federal, ainda tentam emplacar o discurso de que combatem as elites. “Se dependesse da elite brasileira eu não estaria aqui, estou aqui por conta do povo pobre e trabalhador”, disse Lula, em junho deste ano, ao entregar residências populares. Já a direita mundial possui o mesmo discurso, mirando elites culturais, que para eles estão representados por professores, artistas, jornalistas e até mesmo entidades transnacionais como a ONU – conspirando contra o povo.
Mas independentemente dessa briga de quem afinal é a nossa elite, algo é certo. Os gostos e valores da parcela da sociedade que diz se interessar e se preocupar com o Brasil podem estar desconectados da maioria esmagadora da população.
Quem escuta Bethânia e tantos outros de nossos “grandes artistas da MPB”, queiram ou não, faz parte de uma elite, mesmo que rejeite o termo. Até aí, tudo bem: mas populistas têm sido hábeis em considerar essas pessoas inimigas ideológicas que decidem e legislam sobre um Brasil que não conhecem. Hoje quem está fora do poder federal mira nos votos de quem não escuta Maria Bethânia, de quem nunca ouviu falar dela.
Fonte: https://www.estadao.com.br/politica/fabiano-lana/posse-no-stf-teve-bethania-mas-brasileiros-que-nao-a-escutam-querem-novamente-o-poder/
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