Foto: Yannes Kiefer/Unsplash
Luís Paulo acordou, olhou-se no espelho e constatou: agora era velho. De um dia para o outro. O mais estranho é que a constatação de sua velhice, essa mutação da noite para o dia, impunha uma urgência: pensar no futuro. O que faria da sua vida dali por diante? Havia dedicado todos os seus anos ao trabalho. Nas horas vagas, por ser nostálgico, pensava no passado. Pois não é que o futuro batia a sua porta exigindo respostas: o que fazer? Onde morar? Como ocupar as suas tardes? Que horas dormir? Onde ir de manhã?
O presente para ele sempre fora o cartão ponto. Não se atrasar, produzir, atingir metas, corrigir planilhas, dar sempre razão ao cliente, coisas assim. Nos últimos tempos, porém, amigos anunciavam: “Me aposentei”. Cada vez que um próximo lhe dizia isso, sentia um baque: a sua vez estava chegando. Foi aí que filosofou na parada do ônibus com uma senhora de chapéu azul: “Há o tempo das festas, o tempo da paixão, o tempo do casamento, o tempo de ter filhos, o tempo de construir, se possível, um patrimônio, o tempo da casa própria, o tempo de ver os filhos casarem, o tempo dos netos, o tempo dos primeiros remédios permanentes e o tempo da aposentadoria”.
A simpática senhora, que já não se impedia de conversar com estranhos, completou: “Por fim, tem o último tempo, o tempo de…” Apressou-se a interrompê-la. Não era preciso nomear a última etapa. Melhor não mexer com o perigo. Como não tinha percebido os sinais da velhice? O cabelo prateado, depois cinza, por fim, branco; as moças dando-lhe lugar no ônibus; os seguranças indicando-lhe a fila de prioridades nos bancos; velhos e velhas tratando-o sempre por “seu”. O médico recomendando-lhe coisas de velho.
Na manhã em que amanheceu velho, tomou algumas providências que antes lhe pareciam coisa de idoso: entrou no site Meu INSS, que sabia da existência pelas falas de colegas mais velhos, e calculou a sua aposentadoria. Quase ansiou pela antecipação da última etapa. Sentia-se bem, forte, apto ao trabalho, mas percebia que os outros já não o viam assim. Branco, heterossexual, comum até a raiz da alma, nunca tivera lugar de fala para nada especial. De repente, via-se como porta-voz dos idosos. Havia um preconceito a enfrentar: o etarismo. Antes, essa palavra soava-lhe ridícula. Agora que era velho ela ganhava subitamente um enorme significado. Mais do que isso, era uma oportunidade. De que mesmo? Foi o que lhe perguntou a mulher quando o viu exaltado falando “etarismo” no meio de cada frase.
A resposta foi cristalina: uma oportunidade de vida, de sobrevida, uma meta. O combate ao etarismo seria a sua causa, a sua bússola, o seu norte. Já se via como presidente da Associação Antietarismo do Bom Fim. Em seguida, surgia a federação, a confederação, até um partido. Quem sabe ele poderia ser presidente da República tendo como programa a luta contra o etarismo! Por que não? E assim se passou o seu primeiro dia de velhice. Isto é, o primeiro dia em que teve consciência da sua nova condição. Anotou numa caderneta a senha do Meu INSS. Ali estava a porta de entrada do seu novo mundo.
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