sexta-feira, 13 de outubro de 2023

‘Conexões pessoais ajudam até a curar lesões’, diz autor de ‘Uma boa vida’

 Por Célia de Gouvêa Franco, para o Valor — São Paulo

 Marc Schulz dirige grupo em Harvard — Foto: Divulgação

 Marc Schulz dirige grupo em Harvard — Foto: Divulgação

Segundo psicólogo clínico Marc Schulz, um dos benefícios dos bons relacionamentos é lidar com o estresse

Aparentando bom humor e demonstrando simpatia durante toda a conversa, Marc Schulz participou da entrevista para o Valor via Zoom. Perguntado se era feliz, devolveu a pergunta, sorrindo: “O que você acha?”, antes de respondê-la. Aos 61 anos, com doutorado pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, é psicólogo clínico, tendo concentrado suas pesquisas em questões como a emoção e a dinâmica dos relacionamentos no contexto do desenvolvimento adulto.

Seu colega, Robert Waldinger, estudou em Harvard e é psiquiatra, psicanalista e professor. Schulz é casado há muito anos e tem dois filhos. Suas respostas deixam claro que investir em relacionamentos não é sempre uma tarefa fácil — e que talvez seja o caso de citar o dramaturgo grego Ésquilo: “Felicidade é uma escolha que requer esforço às vezes”. A seguir os principais trechos da entrevista:

Valor: É possível obter o mesmo nível de felicidade por meio de uma carreira satisfatória do que por meio de relacionamentos significativos?

Marc Schulz: Muitos de nós gastamos bastante tempo no trabalho, e trabalhar é importante para nós e para nossa felicidade e satisfação com a vida. Trabalhar nos dá uma sensação de sentido para a vida, de propósito e, com sorte, nos torna mais felizes. Uma parte da satisfação de trabalhar vem do fato de que atuamos em colaboração com outras pessoas, com colegas, clientes e chefes. E essas conexões que formamos no trabalho são importantes como conexões sociais, o que pode nos tornar mais felizes. Por isso, é importante maximizar os relacionamentos criados no trabalho.

Valor: E o senhor pratica isso?

Schulz: Acho que sim. Gosto de ser professor, de ser parte de uma comunidade. Gosto de me relacionar com os estudantes, que me ensinam tanto quanto eu os ensino. Então, os contatos no trabalho ajudam na sensação de satisfação, de felicidade.

Valor: Estudos de Harvard mostram que as pessoas com bons relacionamentos com os outros também são mais saudáveis. Como o senhor explica esse fenômeno?

Schulz: Acho que este é um ponto que pode surpreender. Hoje muitos estudos mostram que há uma conexão entre relacionamentos e bem-estar físico. Deixe-me explicar isso de três maneiras. Primeiro, bons relacionamentos nos trazem muitos benefícios, e um dos mais importantes é lidar com o estresse. Ter pessoas por perto em que podemos confiar, com quem podemos conversar quando estamos estressados, é muito importante para nos ajudar a enfrentar os desafios das nossas vidas. A segunda ideia a esse respeito é que está totalmente claro que há uma epidemia de solidão no mundo. E solidão significa que você a acha que as pessoas não conhecem você, não se preocupam com sua saúde ou sua sensação de bem-estar. Nos países industrializados, a porcentagem da população que se sente isolada varia de 20% até 50% — o que é inacreditável. E solidão é um fator crítico para a saúde das pessoas e mesmo para mortes prematuras, com pessoas fumando maços e maços de cigarros por dia ou passando a ser obesas. E, finalmente, há muitos estudos mostrando como as conexões ajudam inclusive na cura de lesões. Um estudo detalhado no livro mostra que ferimentos na pele de pessoas com relacionamentos satisfatórios saram muito mais rapidamente do que no caso de alguém com menos contatos.

Valor: O livro cita estudos que mostram o impacto psicológico negativo nas pessoas que cuidam por longos períodos de doentes ou idosos. Provavelmente eles se tornaram cuidadores de outras pessoas com quem tiveram longos e amorosos relacionamentos. Neste caso, os relacionamentos não levaram a mais sofrimento do que à felicidade?

Schulz: Começo por reconhecer que mesmo relacionamentos que nos dão prazer também nos trazem desafios. Muitos de nós experimentamos perdas, tristeza ou rejeição em relacionamentos próximos. Às vezes pessoas não recebem o apoio de que realmente precisam e talvez sejam mesmo maltratadas. Os relacionamentos nunca são perfeitos. São um desafio para todos. E você me pergunta a respeito de versões extremadas de relacionamentos. Cuidar de uma pessoa que talvez tenha sido seu parceiro de vida inteira e que agora tem, por exemplo, demência. Isso é extremamente estressante. Talvez uma das tarefas mais estressantes que existem. Mas precisamos pensar nessa situação no contexto de uma vida inteira, lembrar de todos os benefícios que a conexão com essa pessoa trouxe. Sabemos também que cuidar do outro, ser bondoso com alguém traz proveitos, como a sensação de que temos um propósito na vida, de que podemos retribuir o bem que recebemos do outro. Antes de começar a entrevista, nós dois falamos sobre filhos e netos, que também dão muito trabalho, mas que trazem incrível alegria. Não conseguiria imaginar a vida sem filhos.

Valor: O senhor se considera feliz? E acha que aprendeu a ser feliz?

Schulz: Eu me considero com sorte por experimentar felicidade na maior parte da minha vida. E digo que definitivamente aprendi muito com as pesquisas e aprendi muito ao escrever o livro durante dois anos e meio, em meio à pandemia, ao reunir as conclusões dos estudos.

Fonte: https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2023/10/12/conexoes-pessoais-ajudam-ate-a-curar-lesoes-diz-autor-de-uma-boa-vida.ghtml

 

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