Por Célia de Gouvêa Franco, para o Valor — São Paulo
Estudo realizado por mais de oito décadas mostra que as saúdes física e mental se beneficiam de redes de contatos
Não é dinheiro, não é conhecimento ou domínio da ciência e das artes. Não é uma carreira bem-sucedida ou se destacar nas mídias sociais.
O que traz felicidade é investir em relacionamentos com amigos e familiares. Cultivar boas relações com as pessoas de quem se gosta, se interessar por elas, gastar tempo com elas e mostrar gratidão e amor a elas. E essas práticas ainda trazem como bônus melhores condições de saúde.
A fórmula não vem de um guru religioso ou de um influenciador com milhões de seguidores na internet. Baseia-se, isto sim, em pesquisas tocadas por mais de oito décadas por uma das universidades de maior prestígio no mundo, Harvard.
Em 1938, quando os Estados Unidos viviam a Grande Depressão e o mundo estava à beira da Segunda Guerra Mundial, iniciou-se o que mais tarde foi batizado como Estudo de Harvard sobre o Desenvolvimento Humano, com 724 participantes.
A intenção era acompanhar periodicamente cada um deles com questionários detalhados sobre suas vidas, seus hábitos, seus gostos e as avaliações sobre felicidade. Surpreendentemente, 85 anos depois, o estudo continua a todo vapor, tendo incorporado mais 1.300 pessoas, filhos e netos dos participantes iniciais.
Na verdade, inicialmente eram dois grupos independentes de pesquisadores. Um deles concentrou seu foco em 268 estudantes de Harvard, escolhidos por apresentarem características que faziam acreditar que seriam homens “saudáveis e bem ajustados”, e as perguntas a eles dirigidas procuravam apurar o que os ajudava a manter boas condições de saúde.
Eram todos homens brancos, mas nem todos eram ricos ou de famílias americanas tradicionais. Pelo menos a metade deles só frequentava a universidade graças a bolsas de estudos ou porque trabalhavam para pagar a faculdade. Um dos participantes era John F. Kennedy (1917-1963), que viria a ser presidente dos Estados Unidos.
O segundo grupo era muito mais diverso: 456 meninos de áreas pobres da cidade de Boston de famílias consideradas problemáticas. Mas não eram delinquentes juvenis. Mais de 60% deles tinham pais imigrantes, vindos de regiões desfavorecidas economicamente da Europa e do Oriente Médio. A proposta inicial dos pesquisadores era descobrir o que os mantinha longe da ilegalidade.
Ao longo dos anos, os dois grupos foram reunidos e os participantes e seus descendentes continuam sendo procurados periodicamente para responder às mesmas perguntas iniciais e outras que foram sendo acrescentadas.
As principais conclusões dos pesquisadores são de que as pessoas que conseguem conviver bem com os parentes, com amigos e colegas, com vizinhos e chefes tendem a ser mais felizes — e em geral gozam de melhor saúde. Esses achados foram reunidos em “Uma Boa Vida – Como viver com mais significado e realização” (editora Sextante, trad. Livia de Almeida, 320 págs., R$ 59,90). Os dois autores do livro, Robert Waldinger e Marc Schulz, são diretores do grupo de Harvard que hoje é responsável pelos estudos iniciados em 1938.
A conclusão mais surpreendente é a que relaciona uma rede de contatos e saúde. Em entrevista ao Valor, um dos autores, Marc Schulz, apontou três evidências que, na sua opinião, mostram que faz sentido a conexão entre bem-estar não apenas emocional, mas físico também, e a construção de relacionamentos próximos. Até mesmo feridas se curam mais rapidamente em pessoas que mantêm conexões pessoais.
O título parece de livro de autoajuda. E a forma como os autores escreveram o texto lembra, em alguns trechos, publicações do segmento, como tratar o leitor de você e sugerir que ele faça “exercícios” que o ajudem a perceber quão distante está de pessoas com quem se importa.
Há inclusive espaços em branco para que o leitor possa responder a questionários. Superando-se o que pode ser irritante, o livro é muito interessante porque as conclusões dos estudos são baseadas em milhares de respostas dos participantes da pesquisa, com exemplos ilustrativos que contextualizam os achados.
O estudo da felicidade nas universidades e centros de pesquisa ganhou muita relevância nos últimos anos, levando ao lançamento de artigos em publicações científicas e livros acadêmicos e outros voltados ao público de forma geral. Nas faculdades, os cursos sobre como explicar a felicidade e como aprender a ser feliz se tornaram sucesso de público.
É bastante conhecido, por exemplo, o fato de o curso mais popular da Universidade de Yale, nos EUA, ter como tema a possibilidade de aprender a ser feliz. Sua versão digital tinha atraído mais de 3,7 milhões de alunos até o início de 2022, e agora a professora titular, Laurie Santos, lançou uma série de aulas voltadas para os adolescentes e seus professores.
Estudos mostram que é muito elevada a porcentagem de adolescentes e jovens que se sentem pressionados pela necessidade de fazer opções que terão grande impacto nas suas vidas — como qual faculdade ou profissão escolher. O cenário tornou-se mais complicado com as mídias sociais.
Um adolescente que vê constantemente no TikTok ou no Instagram como seus colegas ou pessoas da mesma idade são — aparentemente — bem-sucedidos se sente desafiado a tentar a mesma trilha ou se vê como um fracassado. Essas pressões levaram a 37% dos estudantes do ensino médio nos EUA reportarem dificuldades mentais frequentes durante a pandemia, segundo uma pesquisa recente da Pew Research.
Fonte: https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2023/10/12/qual-e-a-formula-da-felicidade-segundo-pesquisa-da-universidade-harvard-iniciada-nos-anos-1930.ghtml
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