segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Pentecostal é ou não é protestante? E por que isso importa

Juliano Spyer

Unidade da Assembleia de Deus na periferia de Salvador (BA)

 Unidade da Assembleia de Deus na periferia de Salvador (BA)
 - Juliano Spyer - 2013/Arquivo pessoal

Elite evangélica quer reacender ideais da Reforma Protestante, mas apenas para eleitos


O protestantismo está prestes a superar o catolicismo em número de fiéis no maior país católico do mundo. No entanto, o aniversário da Reforma Protestante, em 31 de outubro, é uma espécie de 7 de Setembro para evangélicos, ou seja, uma data importante porque cai em prova, não pelo significado do evento.

Na verdade, igrejas históricas, que realizam cultos mais intelectualizados para membros de classe média e alta, valorizam a data. Mas, nas igrejas pentecostais, preferidas pelas camadas populares, falar sobre a reforma é uma formalidade. "Na Páscoa, fazemos cantatas. Também comemoramos o Natal, porque lembra o nascimento de Cristo, embora seja uma festa pagã", compara o pastor pentecostal Wilian Gomes. "Mas, em 31 de outubro, falamos sobre a reforma por 15 a 20 minutos, no máximo."

Será que as mudanças propostas por Lutero fazem sentido para igrejas novas, como a Assembleia de Deus Vitória em Cristo, do pastor Silas Malafaia, ou para igrejas inclusivas que aceitam pessoas LGBT? O pastor e sociólogo Valdinei Ferreira defende que sim. "No protestantismo, não é a igreja que valida a mensagem, é a mensagem que valida a igreja", ele explica. "O que unifica o nosso campo é que qualquer fiel pode abrir a Bíblia, ouvir o pregador e discordar dele à luz do que ele entende na Bíblia."

Mas o impulso reformista de Lutero, Calvino e outros parece ter arrefecido. Para a historiadora Romilda Motta, que é adventista, "as igrejas que surgiram a partir do questionamento dos desvios de comportamento e do status quo das lideranças católicas se fortaleceram e enriqueceram. E hoje elas tomam as mesmas medidas repressivas que a Igreja Católica tomava contra aqueles que faziam críticas," analisa. "Por isso, pastores como Odja Barros e Ed Rene Kivitz são tratados como dissidentes e rotulados como hereges", conclui.

Mas novos impulsos reformistas esbarram em diferenças de classe. Fiel da Igreja Universal, a hoje antropóloga Mônica Ruiz conseguiu ser aprovada na Unicamp em parte pela estabilidade que a conversão trouxe a sua família. "Mas, na universidade, eu descobri que não era protestante", ela conta. "Pelo menos é isso que colegas e professores de igrejas históricas, brancos e de classe média me diziam."

Unidade da Igreja Batista Deus em Cristo, na periferia de Salvador (BA)
Unidade da Igreja Batista Deus em Cristo, na periferia de Salvador (BA) - Juliano Spyer - 2013/Arquivo pessoal

Alguns pastores e pastoras têm sido corajosos ao combater o fundamentalismo moral presente em denominações poderosas. Isso importa porque a defesa cega da pauta de costumes liga a maioria dos evangélicos ao bolsonarismo. No entanto, esses esforços ficam restritos a círculos elitistas, que tratam com arrogância ou condescendência o protestantismo pentecostal, por considerá-lo teologicamente inferior. Faz sentido?

Fonte:  Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

Nenhum comentário:

Postar um comentário