O avanço da ultradireita nas eleições europeias não só ressoam na região, como podem chegar a ser um motor de radicalização das direitas tradicionais da América Latina.
Há algumas décadas, o mundo vem presenciando a ascensão da ultradireita em vários países, cada um com suas particularidades. O nacionalismo levantou novas bandeiras em várias latitudes onde as direitas moderadas perderam força para a ultradireita em ascensão. Falar delas no plural implica reconhecer suas peculiaridades e não classificá-las em um conceito homogêneo.
Autores como Anthony Giddens, Norberto Bobbio, Pippa Norris e Pablo Stefanoni concordam que os preceitos das direitas se baseiam na defesa da vida e da propriedade privada; recentemente, adotaram a luta pelo livre mercado, o nacionalismo e os discursos antissistema. O século XXI deu início à formação da nova direita, que é mais agressiva discursivamente, beirando o populismo em alguns casos.
As ondas migratórias provenientes do norte de África e Oriente Médio detonaram os discursos nacionalistas e anti-imigração na Europa. Partidos que remontam ao século passado, como o de Le Pen, tiveram uma ascensão lenta, mas constante, enquanto em outros países surgiram novos partidos radicais. Viktor Orbán na Hungria, o partido político Lei e Justiça na Polônia ou Alternativa para a Alemanha ganharam destaque, em parte, como produto da rejeição à migração.
Mas a ascensão do radicalismo também é entendida como a insatisfação com a democracia, com os partidos tradicionais, com as crises econômicas e com a expansão da ideologia de esquerda em alguns países. Nesse contexto, setores de diversos países começaram a ser atraídos por políticos que diziam o que queriam ouvir e deixavam de lado o politicamente correto. Essa foi a semente da direita nacionalista europeia. E enquanto no Reino Unido Boris Johnson se promovia como o único capaz de concretizar a saída da União Europeia, nos Estados Unidos se consolidava a primeira candidatura de Donald Trump.
Os vínculos entre a extrema direita europeia e a americana
O triunfo eleitoral de Trump em 2015 deu um impulso à ultradireita do mundo todo, inclusive na Europa, enquanto ainda predominava a onda rosa na região, assim chamada pela diversidade de governos de esquerda. Mas com o ciclo eleitoral de 2018-2024, os radicais de direita latino-americanos começaram a ter cada vez mais relevância, adotando posturas agressivas para atrair novos setores sociais. Nayib Bukele se tornou o promotor da política da mão dura, o libertário Javier Milei fez sua voz ser ouvida em todo o mundo, mas Jair Bolsonaro foi o primeiro grande líder dessa nova era.
Bolsonaro, fundador do bolsonarismo, representa uma ideologia caracterizada pelo militarismo fervoroso, pela exaltação de valores tradicionais como família e religião, e pela dura oposição ao avanço dos direitos das minorias e mulheres. Por outro lado, Nayib Bukele, presidente de El Salvador, tornou-se mundialmente conhecido por sua política de mão dura, fascinando líderes de vários países. Bukele, através de estados de exceção e da consolidação de um partido quase hegemônico, perseguiu as principais gangues criminosas.
Seu método gerou críticas por violar os direitos humanos. Entretanto, vários políticos da região se interessaram por seu modelo de combate à violência; desde a presidente de esquerda de Honduras, Xiomara Castro, até a ministra do Interior da Argentina, Patricia Bullrich.
Finalmente, a vitória de Javier Milei em 2023 abriu as portas para o libertarianismo. Alguns o apelidaram de “o Trump argentino” e o descreveram como uma resposta neoliberal à crise inflacionária do país e ao desgaste de quase vinte anos de governos kirchneristas.
Hoje, o avanço da extrema direita é visível em todo o mundo. Na Europa, enquanto na Itália Giorgia Meloni se tornou primeira-ministra, impondo uma agenda nacionalista que busca devolver a glória da nação mediterrânea, figuras como o holandês Geert Wilders não param de se fortalecer, a ponto de, após as eleições de 2024, ser muito provável que se torne primeiro-ministro. Na França, após as eleições legislativas, o Rassemblement National se tornou a força mais votada, enquanto na Espanha o partido Vox não teve um crescimento exponencial, mas conseguiu se posicionar como uma das três forças mais votadas a nível nacional.
Diante dessa ascensão da extrema direita, as direitas tradicionais se tornaram a segunda maior força em vários parlamentos, como Finlândia, Suécia, Sérvia e Bulgária, para citar alguns. Em outros, como Polônia, Hungria e Áustria, se tornaram partidos governistas que agora buscam acumular mais poder, mudar a correlação de forças na União Europeia e estender sua influência a outras partes do mundo.
A ascensão desses partidos e líderes se deve, em grande parte, aos altos níveis de votação entre jovens de 21 a 29 anos, que se sentem mais atraídos pelos extremos. Isso não é exclusivo do Velho Continente; de acordo com o Latinobarómetro, o apoio à democracia vem caindo e muitos preferem um líder autoritário que garanta estabilidade econômica, segurança e mobilidade social.
2024: um ano-chave
Este foi um ano-chave para as extremas direitas europeias e americanas. As eleições para o Parlamento Europeu mostraram um crescimento do radicalismo e, embora os europeístas e os centro-direitistas tenham a maioria, o nacionalismo emergiu como o segundo maior bloco. Sua vitória levou Emmanuel Macron a dissolver a Assembleia Nacional e a convocar eleições antecipadas, levando à ascensão de Le Pen, e o primeiro-ministro belga Alexander De Croo a renunciar ao cargo, enquanto grandes protestos ocorriam em vários países.
Enquanto isso, na América, seus correligionários Javier Milei, Jair Bolsonaro, Nayib Bukele, Daniel Noboa e Donald Trump comemoraram os resultados das eleições europeias. Esse avanço europeu não só repercute na região, mas pode se tornar uma força motriz para a radicalização da direita tradicional na América Latina, uma região onde a esquerda governa na maioria dos países e, em muitos casos, sob líderes populistas.
Em conclusão, embora possa parecer que os efeitos eleitorais da Europa e dos Estados Unidos não afetam a realidade americana, essa já é uma realidade, e o primeiro governo de Trump foi um exemplo claro disso. Em um mundo interconectado pela tecnologia e pela informação, os discursos permeiam não só nos públicos domésticos, mas também nos extraterritoriais. Portanto, talvez devêssemos começar a prestar mais atenção ao que ocorre, não só do outro lado do Rio Bravo, mas também do outro lado do Oceano Atlântico, para prever os possíveis impactos na América Latina.
Cientista político. Formado na Universidade Nacional Autônoma de México (UNAM). Diploma em Jornalismo pela Escola de Jornalismo Carlos Septién.
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