quarta-feira, 17 de julho de 2024

Esquisitices americanas

Juremir Machado da Silva*


Esquisitices americanas  
Foto: Raul Najera/Unsplash

O atentado contra Donald Trump me fez pensar novamente nas esquisitices dos Estados Unidos. Depois dizem que a França é que é do contra. Os Estados Unidos são talvez o único país do mundo que se toma por um continente: América. Mas, desde sempre, quer a América para os americanos, ou seja, os estadunidenses. Por lá, tudo parece invertido em relação aos demais países democráticos: os liberais são de esquerda; a direita usa vermelho; o multipartidarismo é estrutural, mas só dois partidos ganham; o almoço acontece no café da manhã; a temperatura é medida em Fahrenheit, não em Celsius; as distâncias são contadas em milhas, não em quilômetros; dirige-se, entretanto, ao contrário dos ingleses, na mão esquerda; o maior ídolo da nação, o mais icônico, é um rato; economia mais aberta do mundo, pratica sem qualquer constrangimento o protecionismo e o nacionalismo que lhe convier no momento que lhe interessar; encruzilhada de culturas e capital da globalização, é monoglota até a raiz da língua.

O cara que atira num candidato de extrema direita é filiado ao seu partido, o Republicano, ainda que tenha feito nalgum momento da vida uma doação aos Democratas. Além disso, sendo branco, conservador, homem e cristão, disparou contra o campeão das lutas pelo macho branco conservador no exato momento em que este atacava a imigração de estrangeiros, não brancos, latinos e outros que tais, para os Estados Unidos da América. Nesse país esquisito, dividido entre Democratas e Republicanos, o grande partido do passado, criado em 1792 por Thomas Jefferson e James Madison, era o Partido Democrata Republicano, chamado apenas de Partido Republicano, cuja ideologia correspondia a dos atuais Democratas. A roda gira, não? 

Que país estranho! Paquera tem hora marcada e se chama “date”, não confundir com entrevista de seleção para emprego. Boemia pode acontecer às seis da tarde ao som de um jazz planejadamente improvisado. Grandes consumidores de pornografia, os americanos esbanjam moralismo e puritanismo em praça pública e nas redes sociais para inglês ver. Campeões da guerra contra as drogas, consomem substâncias ilícitas em doses planetárias. Nas universidades se pratica cada vez mais o cancelamento dos oponentes enquanto se prega o elogio radical à diferença. Pode-se ser diferente à vontade desde que não o suficiente para pensar o oposto. É permitido votar armado pela paz nos campos, nas cidades, nos lares e nas eleições. Ama-se a democracia acima de todas as coisas, mas não há em qualquer impedimento em apoiar uma ditadura na casa dos outros se isso trouxer benefícios.

Os Estados Unidos são em quase tudo o contrário da França, embora leiam autores franceses, como Michel Foucault e Jacques Derrida, mais do que os franceses. Meca do capitalismo, possuem mais “comunistas” universitários pós-modernos do que qualquer país do mundo, inclusive a China, onde os comunistas universitários são adeptos de um capitalismo de Estado ou de um Estado capitalista clandestino. Enfim, os Estados Unidos produzem uma dieta atrás da outra enquanto se empanturram de bacon. Abrigam a Direita Miami da América inteira, o que confirma a sua neutralidade ideológica e garante a América para os americanos ricos e brancos.

 https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/esquisitices-americanas/ 17/07/2024

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