A reinterpretação contínua do passado faz com que
ele seja tão incerto quanto o futuro. O passado e o futuro dependem
daquilo que as pessoas do presente podem ver. E o que elas veem é com
frequência um signo, uma imagem do que desejam para o futuro.
Foi o que se deu com Tiradentes.
Não há imagens dele na época em que foi para a forca e esquartejado.
Elas foram criadas mais de um século depois, por maus pintores que
buscavam dar fundamento histórico à República recém-proclamada.
Como queriam que a República perdurasse, pintaram signos que mostram
Tiradentes como seu mártir. Só há pouco se sublinhou que ele não pregou o fim da escravidão; teria sido proprietário de escravos. A percepção do racismo na espoliação atual leva o alferes a ser visto de outro modo.
As cenas da tentativa de assassinato de Trump
ilustram o processo de passagem da imagem ao signo, que estabelece um
sentido para o futuro. O processo desta vez durou minutos.
Mostrada ao vivo na televisão, a cena fundadora é tumultuada. O líder
republicano leva a mão à orelha e se joga no chão. Há estampidos,
sustos, alvoroço, pânico, algaravia.
Editada, completada com registros de celulares e interpretada, ela
adquire clareza. Trump está com sangue na orelha; procura seu sapato;
gesticula; exorta a massa e é empurrado para um camburão.
Vê-se o essencial do episódio, mas o mistério permanece. Sabe-se quem
atirou, mas não seus motivos. Ignora-se se como e por que o Serviço
Secreto falhou. Não se tem noção das forças sociais que estariam, ou
não, por trás do ataque.
Tudo isso foi maná para as teorias conspiratórias que logo vicejaram.
Como na facada em Bolsonaro, as imagens em movimento se prestaram a
especulações várias, parte delas embasadas em posições políticas
prévias, que, desdenhando dos fatos, forçaram conclusões.
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