sexta-feira, 5 de julho de 2024

Tubarão de 390 anos e outros animais longevos indicam que humanos poderão viver além dos 100 anos, diz biólogo

 Por Márcio Ferrari — para o Valor, de São Paulo

“Animais nos trazem sugestões do que é possível e como chegar lá”, diz Nicklas Brendborg — Foto: Foto: Mathias Svold / Divulgação

 “Animais nos trazem sugestões do que é possível e como chegar lá”, diz Nicklas Brendborg — Foto: Foto: Mathias Svold / Divulgação

Em “As águas-vivas envelhecem ao contrário”, dinamarquês Nicklas Brendborg investiga as possibilidades de aumentar a longevidade dos seres humanos, e com saúde

Quando ameaçadas, as pequenas águas-vivas Turritopsis regridem de sua forma adulta ao estado de pólipo e depois voltam a se desenvolver sem preservar nenhum sinal desse processo, que equivaleria a uma borboleta que volta a ser uma lagarta. Isso significa que a Turritopsis dá marcha à ré no tempo de vida. Vem daí o título “As águas-vivas envelhecem ao contrário”, do biólogo molecular dinamarquês Nicklas Brendborg (tradução de Tiago Lyra, Rocco, 272 págs., R$ 69,90), finalista do prêmio da Royal Society para livros científicos em 2023.

Ao tratar do envelhecimento, em busca de uma possível fonte da juventude, o autor começa por observar o desenvolvimento de animais, muito além das águas-vivas. Entre exemplos surpreendentes está o tubarão-da-Groenlândia, um gigante de seis metros que, no caso de um espécime estudado por pesquisadores, chegou a 390 anos de vida e não dá sinais de que morrerá tão cedo.

Quanto aos humanos, escreve Brendborg, “envelhecemos exponencialmente; após a puberdade, nosso risco de morrer dobra mais ou menos a cada oito anos, e isso acontece à medida que nossa fisiologia vai aos poucos decaindo, tornando-nos cada vez mais frágeis”.

Estamos ainda longe dos ratos-toupeira-pelados, que são imunes ao câncer. Como a longevidade dos tubarões-da-Groenlândia, os pequenos roedores levam a concluir que não existem “limites biológicos minimamente próximos à nossa atual expectativa de vida”. Ou seja, teoricamente está a nosso alcance, talvez mais cedo do que imaginamos, comemorar aniversários na casa dos 100 ou mais.

O desafio é encontrar intervenções fisiológicas que garantam essa longevidade. Segundo Brendborg, os dados científicos mostram que o peso da hereditariedade é exíguo no processo de envelhecimento, mas seria possível encontrar no DNA genes vinculados à vida longa e, com isso, criar medicamentos que imitassem suas funções. Ainda são elucubrações, embora promissoras porque cortariam o mal pela raiz — ou seja, em vez de atacar uma doença de cada vez (câncer, Alzheimer, doenças cardíacas etc.), atacaria o fator central de todo envelhecimento.

Por enquanto, trata-se de concentrar esforços contra os radicais livres, moléculas altamente reativas que danificam outras ao se chocarem com elas. De acordo com Brendborg, nosso metabolismo “nos mantém vivos, mas também nos garante nosso envelhecimento e morte, já que produz os radicais livres”, contra os quais atuam os antioxidantes.

Nada é tão simples, porém. Pesquisas mostram que os suplementos antioxidantes promovem a disseminação de determinados tipos de câncer. A queda de braço entre radicais livres e os antioxidantes leva ao princípio da hormese, fundamental quando se trata de envelhecimento. A palavra significa que certos benefícios à saúde dependem de um estresse ou sofrimento anterior, o que se verifica nos exercícios físicos e na dinâmica da longevidade.

No campo celular, o envelhecimento tem a ver com a autofagia, um mecanismo de “limpeza” que elimina moléculas ou componentes danificados. O processo falha na velhice, com o acúmulo de proteínas velhas e deterioradas. Mas já há experimentos com camundongos que aumentam a autofagia nas células, retardando o envelhecimento.

Outro mecanismo celular benéfico é o trabalho das mitocôndrias ao coletar a energia dos alimentos ingeridos por um determinado indivíduo, também um processo que se reduz com a idade. Novamente, os camundongos trazem a boa notícia: suplementos de uma substância chamada espermidina podem estimular a divisão das mitocôndrias. Talvez ainda mais promissoras sejam as intervenções nos telômeros, as extremidades dos cromossomos, um alicerce que determina o tempo de vida de nossas células.

A seguir, a entrevista concedida por e-mail por Brendborg.

Valor: Muitos empecilhos à saúde já foram superados, e a longevidade do ser humano nunca foi tão extensa. Vai tornar-se comum viver mais do que 100 anos num futuro próximo?

Nicklas Brendborg: Com certeza e provavelmente bastante além de 100.

Valor: O sr. diz que o envelhecimento é muito mais do que podemos ver superficialmente. Qual é a verdadeira complexidade do processo e como ela dificulta a descoberta de meios para detê-lo?

Brendborg: Quando envelhecemos, o funcionamento de todos os órgãos se deteriora e se torna menos eficiente. Mas pode ser difícil determinar se o declínio é isolado ou se o desgaste se espalha. Ou seja, nós tendemos a perder massa muscular e força durante o processo de envelhecimento, o que em geral leva as pessoas a se tornarem mais sedentárias. Por sua vez, isso pode prejudicar a saúde do cérebro, tanto por causa da queda no benefício provocado pelo aumento do fluxo sanguíneo quanto pelo fato de que as miocinas — substâncias segregadas pelo trabalho muscular — deixam de ter efeitos positivos no cérebro.

Valor: O cérebro é o órgão central do envelhecimento?

Brendborg: Quando se observa uma pessoa com funções cognitivas em queda, parte do declínio certamente deriva de processos cerebrais, mas o desempenho debilitado de outros órgãos, além dos efeitos no desgaste geral, também influi no cérebro. É importante ter

Valor: Quais são as principais falácias sobre o envelhecimento?

Brendborg: Que é inevitável ou impossível de alterar. Temos índices de envelhecimento altamente diversos e, se nos debruçarmos sobre o reino animal, há aqueles que envelhecem rapidamente, lentamente, gradualmente, inversamente e até os que simplesmente não envelhecem.

Valor: Quais são os fatores fundamentais do envelhecimento no corpo humano?

Brendborg: A verdade é que não sabemos. No nível celular há fatores como a informação epigenética, telômeros, habilidade de fazer autofagia e outros que descrevo no livro. Mas qual deles tem mais importância é ainda uma questão em aberto e sem dúvida há outros fatores a serem descobertos.

Valor: O sr. diz que a genética é superestimada como fator de envelhecimento. Por quê?

Brendborg: A maioria dos estudos sobre a hereditariedade na duração da vida revela que seu papel é surpreendentemente pequeno. Nas pesquisas de larga escala, há maior correlação entre cônjuges do que entre irmãos de sexo oposto.

Valor: O sr. diz que a genética é superestimada como fator de envelhecimento. Por quê?

Brendborg: A maioria dos estudos sobre a hereditariedade na duração da vida revela que seu papel é surpreendentemente pequeno. Nas pesquisas de larga escala, há maior correlação entre cônjuges do que entre irmãos de sexo oposto.

Valor: Hipoteticamente, seria possível deter uma fonte de envelhecimento sem abrir caminho para outros males?

Brendborg: Sim. Conhecemos vários animais organicamente complexos que vivem muito mais do que nós em estado de boa saúde.

Valor: Como o estudo de animais que vivem mais do que os humanos pode ajudar a descobrir modos de estender nossas vidas?

Brendborg: Os animais são uma fonte fundamental de inspiração para a biologia porque nos trazem sugestões do que é possível e como chegar lá. Se o tubarão-da- Groenlândia pode viver centenas de anos, isso significa que vidas muito mais longas do que as dos seres humanos não são impossíveis biologicamente. A partir daí, é uma questão de descobrir por que, e com isso usar essa informação para criar novos tratamentos para nós.

Valor: É possível reprogramar células para reverter o processo de envelhecimento?

Brendborg: Já há até cientistas trabalhando na transferência dos processos celulares para o organismo de animais.

Valor: Por que a hormese é tão importante quando se trata do processo de envelhecimento?

Brendborg: Pode ser intuitivo pensar que a desaceleração do envelhecimento signifique proteger o corpo de todo tipo de mal. Mas a biologia é complexa, e certos estímulos nocivos ou estressantes podem, indiretamente, melhorar a saúde. Tome-se o exemplo do exercício físico. Quando se faz uma corrida, o pulso aumenta, assim como o batimento cardíaco, e os músculos, ossos e pulmões são forçados. Eis por que não é sempre que sentimos prazer com os exercícios. No entanto, uma vez concluídos, o corpo percebe o desgaste como uma espécie de sinal de que precisa se recompor. Assim são ativados os processos para reparar os prejuízos e recuperar os tecidos. Isso significa que, depois de se restabelecer, a pessoa terá fortalecido os músculos, ossos, coração etc. Isto é, termina-se mais forte, mas é preciso um pouco de dano físico para chegar lá.

Valor: Quais são as técnicas mais promissoras para deter ou reverter o envelhecimento?

Brendborg: Atualmente, a otimização de três fatores: nutrição, exercício e sono. Outras intervenções podem ir de usar fio dental [porque a periodontite pode prejudicar o funcionamento do coração] até se tornar um doador de sangue [por reduzir a quantidade excessiva de ferro no organismo], evitar a solidão e ingerir suplementos.

Valor: Métodos eficientes contra o envelhecimento ainda podem levar tempo para ser descobertos? Qual é sua estimativa?

Brendborg: É bem provável que esses métodos possam ser testemunhados pela geração atual. Mas isso dependerá de muito trabalho e de pessoas talentosas que dediquem suas vidas a esse esforço.

Fonte: https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2024/07/03/tubarao-de-390-anos-e-outros-animais-longevos-indicam-que-humanos-poderao-viver-alem-dos-100-anos-diz-biologo.ghtml

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