segunda-feira, 8 de julho de 2024

Por que jovens estão menos religiosos, mas não abrem mão da espiritualidade

Ana Clara Cottecco

Anitta grava clipe de 'Aceita' em terreiro de candomblé no Rio de Janeiro

 Anitta é candomblecista e homenageou sua religião no clipe 'Aceita' - Ricardo Brunini/Divulgação

É na adolescência que questões como o que há depois da morte começam a ficar mais latentes


Em todas as fases da vida, conflitos internos sobre o que há depois da morte ou o que é certo e errado ocupam a nossa mente, mas é na adolescência que eles aparecem pela primeira vez de forma consciente. E justamente por isso é na juventude que muitos de nós passamos a seguir uma religião ou nos envolvemos com assuntos de espiritualidade.

Mas, primeiro, é preciso entender a diferença entre as duas coisas. Religião é um conjunto específico de crenças que vêm sendo trabalhadas ao longo de muitos anos e que costuma ser vinculado a estruturas como igrejas, templos, mesquitas e sinagogas, por exemplo. Já a espiritualidade tende a ser mais livre, individualizada e personalizada.

"Quando observamos os dados estatísticos, é crescente o número de adolescentes que se dizem ligados a uma espiritualidade e não especificamente a uma religião", afirma Alexandre Ceistutis, mestre em ciência das religiões e professor de história e sociologia nos ensinos fundamental e médio.

Em 2022, pesquisa do Datafolha mostrou que 14% dos brasileiros se dizem sem religião, mas quan do o recorte se volta para as pessoas entre 16 e 24 anos, o percentual chega a 25%.

É um fenômeno que não se restringe ao Brasil. A organização americana Pew Research Center, que costuma fazer esses levantamentos, detectou em 2018 que jovens tendem a ser menos religiosos do que os mais velhos em vários países, sejam essas nações ricas ou pobres, de maioria cristã ou muçulmana.

Para o professor, esse processo está ligado ao volume de informações com que os adolescentes entram em contato por meio da internet e das redes sociais.

"Eles fazem um 'cardápio' de características de diversas religiões de que gostam e acabam formando a sua própria visão de espiritualidade", diz. Também destaca que o fácil acesso a essas informações amplia a autonomia de cada um ao optar por seguir essa ou outra orientação.

O fenômeno do jovem que se diz espiritualizado mas não religioso é, para o especialista, também reflexo da descrença em instituições oficiais devido a escândalos de corrupção, abusos e aos próprios dogmas impostos.

"Determinadas instituições não aceitam novas visões a respeito da identidade humana. Então, para alguns grupos, se aquilo nega, por exemplo, a existência deles, eles não farão parte. Eu não acredito porque não fala a respeito de mim", dá como exemplo.

Elise G. O, de 14 anos, diz que desde pequena pensava a respeito do surgimento do universo e da vida. "O fato de eu começar a me descobrir mais e me conhecer como pessoa, fez com que crescesse o questionamento", diz a adolescente sobre suas incertezas em relação à religião.

Apesar de ter frequentando tanto igreja católica quanto evangélica, ela começou, recentemente, a se considerar ateia. "A parte mais difícil foi a negação. Foi crescer numa religião, acreditar nisso, e aí perceber que você tá perdendo a fé em algo que você acreditava como se fosse lei, sabe?" Ainda assim, ela não descarta no futuro aderir a outra religião.

Já a estudante universitária Isabela Rosa, que tem 23 anos, teve várias crenças na adolescência. Sua mãe e sua avó sempre foram abertas a explorar a espiritualidade e, por isso, passou pelo espiritismo, pelo cristianismo e pelo xintoísmo.

Para ela, a constante mudança causou confusão, tanto é que ela se considerou ateia por um tempo até que, com 15 anos, depois de ter visto vídeos no YouTube, se deparou com a wicca e começou a praticar com uma amiga. Mas foi só aos 17 anos que conheceu o candomblé, também por causa da mãe, e diz ter se encontrado.

"Todas essas religiões foram um processo para eu me achar. Aprendi muita coisa sobre várias religiões e acho isso legal. Eu tenho várias perspectivas sobre o mundo nas quais eu não necessariamente acredito, mas entendo." afirma a estudante. É importante ter pensamento crítico, e a mudança de religião proporciona isso aos adolescentes."

O professor Alexandre Ceistutis afirma que ter contato com diferentes religiões e espiritualidades é positivo. "Torna o ser humano mais empático, porque ele percebe que, no fundo, todas as suas indagações são indagações do outro."

Fonte:  https://www1.folha.uol.com.br/folhateen/2024/07/por-que-jovens-estao-menos-religiosos-mas-nao-abrem-mao-da-espiritualidade.shtml

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