Por Frances Jones
Arquiteto chinês criador do modelo diz que, com bom projeto e mobilização da sociedade, mesmo um município densamente povoado pode se tornar resiliente à água
O arquiteto paisagista e urbanista chinês Kongjian Yu, professor da Universidade de Pequim e diretor do escritório de arquitetura paisagística Turenscape, um dos maiores do mundo, costuma contar uma história de quando caiu num rio ainda garoto no interior da China. Ele conseguiu se salvar ao agarrar nos galhos que estavam na beira do riacho. Depois de crescido, ao voltar ao seu vilarejo, engenheiros haviam concretado o canal e ele pensou: “Eu não me salvaria mais se caísse num rio assim. Onde iria me agarrar nesse canal com margem de concreto?”.
Em seus premiados projetos em cidades na China e em outros países, Yu adota a natureza e a metodologia conhecida como soluções baseadas na natureza para absorver, limpar e usar as águas fluviais e pluviais – em vez de expulsá-las com pressa das áreas urbanas com canalizações.
Graduado na Universidade Florestal de Beijing e doutor pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, com 61 anos, Yu diz que não dá para brigar com a água e é preciso se adaptar a ela, lembrando das práticas dos agricultores de sua infância, que construíam terraços nas montanhas e lagos e eram “amigos da água”. Seus projetos buscam diminuir a velocidade das águas urbanas e lhes dar espaço para que se espalhem (saiba mais sobre as cidades-esponja aqui).
Em entrevista concedida por e-mail a Pesquisa FAPESP, Yu fala sobre os projetos, os desafios e as possibilidade de transformar cidades como São Paulo em municípios resilientes à água e ao aquecimento global.
Quais os principais desafios no planejamento de uma cidade-esponja?
Em primeiro lugar, a estupidez e a teimosia da espécie humana, a
mentalidade míope, voltada para soluções únicas. Em seguida, o modelo de
business as usual e o sistema de conhecimento e infraestrutura
intelectual baseados na chamada civilização industrial. Em terceiro
lugar, há o aspecto social e político: os tomadores de decisão não
querem ser inovadores nem se arriscar com o novo. Por fim, há o aspecto
técnico, pois em geral não há uma padronização nem uma fórmula de
engenharia para as cidades-esponja com soluções baseadas na natureza e,
normalmente, falta um modelo de negócios amadurecido para a operação.
Dá para transformar uma metrópole como São Paulo em uma cidade-esponja?
Com certeza, se vocês tiverem um bom projeto, fizerem direito e
mobilizarem a comunidade. Mas atenção: é preciso resolver o problema das
inundações em duas escalas: na urbana e no nível regional. São
necessários, portanto, os sistemas de esponja urbano e o de esponja
regional na gestão das bacias hidrográficas. Se as autoridades públicas
estão determinadas a resolver o problema, um governo forte e organizado
pode transformar o município em uma cidade-esponja resiliente à água em
cinco anos; um governo fraco ou ineficiente pode demorar uma eternidade.
O certo é que as soluções que propomos trazem múltiplos benefícios,
além da segurança contra as enchentes, como a restauração da
biodiversidade, o tratamento da água, uma paisagem mais fértil,
produtiva e bonita. Sem falar que contribui para a mitigação das
emissões de carbono e do aumento do nível dos oceanos.
Em entrevista recente ao New York Times,
você disse que “se as superfícies permeáveis ou os espaços verdes
chegarem de 20% a 40% da área de uma cidade, é possível praticamente
resolver o problema da inundação urbana”. Mas e se a cidade já está
densamente construída e grandes faixas de terra não estão disponíveis?
O problema da enchente urbana, aquela que acontece no centro da cidade e
não na bacia hidrográfica regional, pode ser resolvido, com telhados
verdes, coleta da água dos telhados, gestão integrada das águas pluviais
com quadras esportivas e estacionamentos com pavimentos permeáveis. As
soluções baseadas na natureza podem ser integradas com o sistema de
drenagem existente. Se a enchente for um fenômeno regional, é preciso
criar um sistema de esponja na bacia hidrográfica.
Poderia indicar uma cidade onde o conceito e o projeto de cidade-esponja funcionam bem?
Sanya, na província chinesa de Hainan, é um bom exemplo de uma
cidade-esponja completa. Situada em região de monções, costumava sofrer
terríveis enchentes e secas. Hoje é uma cidade-esponja celebrada. Alguns
grandes projetos que fiz para essa cidade [com população de 1 milhão de
habitantes] incluem um parque central-esponja, o Parque de Área Úmida
Dong´an, o rio-esponja, o Manguezal de Sanya e a rua-esponja via
Fenghuan. Ela é também o primeiro modelo oficial em larga escala de
cidade-esponja da campanha de 2015 [patrocinada pelo governo chinês] e
passou ao longo de 10 anos por climas difíceis, apresentando bons
resultados. Há outras cidades, como Nanchang [6,2 milhões de
habitantes], na província de Jiangxi, onde criamos o Parque Rabo de
Peixe [a um custo de US$ 43 o metro quadrado]. A cidade é enorme e o
projeto resolve apenas a inundação urbana em parte dela.
Seu trabalho sempre teve como foco o conceito das cidades-esponja?
Trabalho com cidades-esponja e infraestrutura ecológica há mais de 27
anos, desde que voltei para a China, em 1997, dois anos após finalizar o
doutorado nos Estados Unidos. Liderei o desenho e a construção de mais
de mil projetos em mais de 250 cidades chinesas, em escalas variadas. As
cidades-esponja são o meu foco principal. Como sempre digo, a água é a
chave para o ecossistema humano urbano. A maioria dos meus projetos tem
como alvo uma questão específica, como inundações, secas, restauração de
hábitat, aumento do nível das marés, limpeza da água, proteção ao
patrimônio cultural e revitalização rural, mas os projetos individuais
são sempre holísticos e fornecem múltiplos serviços ecossistêmicos,
incluindo abastecimento, regulação, suporte à vida, embelezamento e
serviços econômicos e sociais.
A construção de cidades-esponja é suficiente para conter os efeitos do aquecimento global em áreas urbanas?
É uma questão de definir o que é suficiente. Eu diria que a
cidade-esponja é uma solução baseada na natureza holística, que trata ao
mesmo tempo das inundações urbanas, do calor e da restauração do
hábitat. Se você quiser reduzir o calor das cidades em 2 ou 3 graus
Celsius (oC) ou até mesmo em 4 ou 5 oC em um local
específico, as esponjas verdes certamente funcionarão. Diria o mesmo em
relação às inundações previstas para ocorrer a cada 50 a 100 anos,
desde que haja um bom planejamento e a construção de um sistema de
esponja em nível regional e urbano. A tarefa de adaptação ao clima
regional e local pode ser alcançada com a estratégia da cidade-esponja
que, por certo, também vai contar com algum grau de engenharia de
infraestrutura cinza. O clima, porém, é uma questão global. Resolver o
problema local e regional certamente contribuirá tanto para a mitigação
como para a adaptação do clima numa escala global.
Fonte:https://revistapesquisa.fapesp.br/kongjian-yu-e-possivel-transformar-um-municipio-em-uma-cidade-esponja-em-cinco-anos/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_id=jul24
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