Enzo BianchI*
Pela
primeira vez na História a humanidade é hoje compelida a sair da lógica
da guerra e do depauperamento incondicionado do ambiente. Parece que
pode começar uma inversão da tendência com a assunção da consciência de
que desta maneira não se pode seguir por diante, sob pena de destruir a
humanidade a provocar a desolação do planeta.
Se
nas últimas décadas constatámos de uma forma crescente que se estão a
dar grandes passos rumo à barbárie, parece emergir agora uma reação que
ainda não é a «insurreição das consciências» invocada por Pierre Rabhi,
mas é a reiteração, de novo, da necessidade urgente de humanização.
São
significativos, a propósito, os títulos de alguns ensaios filosóficos e
sociológicos que apelam à humanização da modernidade, da política, da
sociedade…. Perante as crises globais que se abateram sobre nós, como a
pandemia, as crises económicas, as guerras nas fronteiras da Europa e do
Mediterrâneo (portanto junto á nossa casa e, na realidade, guerras que
também nós estamos a combater ao fornecer armas aos beligerantes), como
afirmar um humanismo que seja um objetivo almejado com convicção pelas
várias humanidades que fazem parte de um tecido da vida, da comunidade
global?
É
por isso que a pergunta séria e urgente que devemos colocar-nos não é
sobre Deus mas sobre o mundo humano: «O que é o humano?». Pergunta na
verdade antiga, que significativamente reencontramos no início e no fim
do Saltério hebraico: «O que é o Homem?».
Devemos refazer-nos estas perguntas sobretudo hoje, porque o humano está esmagado entre o inumano e o pós-humano.
Conhecemos
bem o inumano como possibilidade de depredação e negação do próprio
humano: quando o ser humano é reduzido a “res”, coisa, quanto é
humilhado e reduzido ao nada, distorcido pelo ódio e pela violência dos
massacres e dos genocídios, desconhecido nos migrantes que apenas
invocam compaixão, o inumano reina e nega o rosto à pessoa, nega a sua
vida.
E
é sempre permanente a necessidade de discernir o desumano também na
nossa vida quotidiana, nas relações pessoais entre familiares e
conviventes, nas situações onde falta a palavra apropriada, o respeito
que sabe reconhecer o outro, a mansidão que pode assegurar a paciência
recíproca. Bernanos escrevia: «A barbárie aninha-se nas fronteiras das
nações como nas casas mais humildes».
E
todavia hoje o humano está também desconfiado do pós-humano, ou seja,
esse novo estádio evolutivo da humanidade no qual o cruzamento entre
biologia e tecnologia está cada mais omnipresente. Deveremos alimentar
muita inquietação perante estas novas oportunidades que poderão chegar a
negar o corpo para o substituir com estruturas artificiais munidas de
elementos de inteligência humana. Ao “homo sapiens” sucederá a “macchina
sapiens”? E não será este talvez um delírio de omnipotência que deseja
ser capaz de transumanismo até chegar a negar a mortalidade?
Pessoalmente
nutro uma tal confiança na humanidade que não acredito que seja
possível essa deriva e continuo convicto de que mais uma vez o “homo
sapiens” saberá responder de maneira vital à pergunta que só ele sabe
colocar-se: o que é o Homem? Porque há na humanidade um selo que pode
ser pisado e negado, mas que é indestrutível e jaz como indestrutível na
sua profundidade: a fraternidade. Ela tem a força de emergir assim como
a terra, depois da água, do fogo, do vento, deixa despontar a erva e
retomar a vida.
Trad.: Rui Jorge Martins
*Autor de livros espirituais e fundador e ex-prior do Mosteiro de Bose e da comunidade religiosa ecumênica "Comunità di Bose". Bianchi estudou economia na Universidade de Turim. Ele escreve regularmente artigos para jornais diários italianos. Seus livros e artigos foram traduzidos para vários idiomas.
Fonte: https://e-cultura.blogs.sapo.pt/o-que-e-o-homem-1703114
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