Ódio velado a evangélicos só alimenta a ultradireita religiosa
- É preciso conversar com os evangélicos ou devemos enfrentá-los? Essa é uma pergunta que está nos corações e mentes de brasileiros que veem com preocupação o crescimento da influência desse grupo no campo político.
Por que enfrentá-los? "Não se barganha com um leão quando sua cabeça está na boca dele", disse Churchill sobre como lidar com a ameaça representada por Adolf Hitler e a Alemanha nazista.
A diferença é que Churchill dá nome aos bois. Ele não fala em combater os alemães nem a Alemanha, mas aponta para onde está o problema: o ditador e seu regime.
Quando vejo pessoas falando sobre a necessidade de "enfrentar os evangélicos", lembro do desabafo que um líder cristão fez ao advogado Pedro Abramovay, da Open Society Foundation.
Ele disse: "Eu luto há 15 anos contra Malafaias e Felicianos. Mas cada vez que eles fazem um comentário homofóbico ou misógino, a esquerda os ‘xinga’ de evangélicos e não de homofóbicos ou misóginos. E eu não posso admitir que se xingue alguém de evangélico".
Há poucas semanas, o Brasil testemunhou a liderança da bancada evangélica recuar em relação à PL 1904 porque a sociedade —inclusive evangélicos— não concordou com a ideia de que a mulher grávida de um estuprador seja condenada à prisão.
A generalização —chamá-los de "seita pentecostal" ou de "ETs pentecostais"— expõe o desinteresse por essas pessoas e por sua religião. E prejudica aqueles que, de dentro, resistem ao sequestro político de suas comunidades de fé.
E como o outro lado vê o debate? "Me incomoda ouvir que a esquerda tem que conversar com os evangélicos, como se fossem mundos diferentes", diz o evangélico e cientista social Leonardo Rossatto. "O que falta é a esquerda incentivar aqueles que já estão nas igrejas."
Mas a ideia de "falar com os evangélicos" pode, às vezes, querer dizer "domesticá-los", convencê-los a deixar de ser quem eles são. Isso é dito como se fosse óbvio que religião —e tudo associado a ela— é besteira, conto da Carochinha.
Em que medida então o chamado para combater o fundamentalismo esconde a intenção de atacar quem é apenas conservador? Foram essas pessoas que apedrejaram a campanha de Marina Silva em 2014, por ela ser evangélica e conservadora nos costumes.
O desafio dos "setores esclarecidos" não é falar com evangélicos e sim com cristãos conservadores, o que inclui uma parte dos católicos e dos espíritas.
Por que falar com eles? Porque, neste país, eles representam um número maior de eleitores. E, democraticamente, eles têm os mesmos direitos de expor seus valores e defendê-los nas urnas.
* Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/juliano-spyer/2024/07/conservadorismo-nao-e-fundamentalismo.shtml
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