Por The Economist
Aliança centrista de Macron obteve um número desanimador de 20,7% dos votos nacionais Foto: Yara Nardi/APGrande participação da direita radical de Marine Le Pen no primeiro turno deixa claro que a aposta do presidente francês em convocar eleições saiu pela culatra de forma espetacular
Uma nova era dramática começou na França neste 30 de junho, quando o partido de direita radical de Marine Le Pen assumiu uma liderança maciça na votação do primeiro turno para a Assembleia Nacional. Seu Reagrupamento Nacional (RN) nunca esteve tão perto de governar o país. Os primeiros resultados sugeriam que o partido havia garantido 33,5% dos votos, segundo o Ipsos, uma empresa de pesquisas.
Antes do segundo turno final, no próximo dia 7 de julho, isso o coloca no caminho certo para conquistar de 230 a 280 assentos na Assembleia Nacional, que tem 577 lugares, contra os atuais 88, e se tornar facilmente o maior grupo no Parlamento. Um resultado na ponta superior dessa faixa colocaria o Reagrupamento Nacional perto de uma maioria geral de 289.
A eleição foi marcada pelo maior comparecimento no primeiro turno desde 1997. Os candidatos do Reagrupamento Nacional ficaram em primeiro lugar em centenas de distritos eleitorais em todo o país: em seus antigos centros geográficos, como o chamado cinturão da ferrugem (industrial) no nordeste do país e o sul da França, bem como em lugares historicamente com pouco apoio, como a Bretanha. Em seu próprio distrito eleitoral em torno de Hénin-Beaumont, na região de mineração do norte da França, Le Pen foi eleita no primeiro turno.
Le Pen parece estar pronta para colher os benefícios de seu projeto de uma década para eliminar excessos de seu partido, fazer com que seus deputados pareçam apresentáveis e convencer os eleitores de que não se trata apenas de protestos barulhentos, mas de poder.
O Reagrupamento Nacional, descendente da Frente Nacional cofundada pelo pai de Le Pen e ex-membro da Waffen-SS nazista, ainda se baseia fortemente na política de identidade, com sua promessa de acabar com o direito automático à cidadania francesa para aqueles nascidos de pais estrangeiros em solo francês. Ele mistura isso com promessas populares de reduzir o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) sobre as contas de energia de 20% para 5,5%, diminuir a idade de aposentadoria e trazer de volta um imposto sobre a riqueza. Após sucessivos governos de direita, esquerda e centro, os eleitores, sempre decepcionados com seus governantes, agora parecem dispostos a apostar em um grande partido que nunca governou.
A aliança de quatro partidos de esquerda, a Nova Frente Popular (NFP), também teve uma boa noite, ficando em segundo lugar nacionalmente com 28,1% dos votos, segundo a Ipsos. A aliança, composta pela França Insubmissa, de Jean-Luc Mélenchon, socialistas, verdes e comunistas, qualificou-se para o segundo turno em muitos distritos eleitorais nas grandes cidades e nos subúrbios multiculturais, onde seu apoio a um Estado palestino independente é popular. A Ipsos calcula que o NFP poderia conquistar de 125 a 165 cadeiras, o que o tornaria o segundo maior bloco parlamentar.
Em contrapartida, a votação foi uma humilhação esmagadora para a aliança centrista do presidente Emmanuel Macron, Renascença. Muitos de seus próprios deputados e aliados mais próximos, pressentindo uma eliminação iminente, ficaram horrorizados com sua decisão inesperada, em 9 de junho, de convocar uma eleição imediata. O tiro saiu pela culatra, de forma espetacular. O Renascença obteve um número desanimador de 20,7% dos votos nacionais. Agora, espera-se que perca mais da metade de seus 250 assentos; as projeções da Ipsos sugerem que poderá manter apenas 70 a 100 assentos. Um deputado chamou o fato de “catástrofe total”.
O presidente francês, Emmanuel Macron, e sua esposa, Brigitte Macron, votam em cabine neste domingo, 30 Foto: Yara Nardi/APO que ficou claro com a votação do primeiro turno é que o projeto centrista de Macron e a autoridade política do presidente sairão gravemente prejudicados dessas eleições. Mesmo nos casos em que os candidatos de Macron conseguiram passar para o segundo turno, garantindo 12,5% dos eleitores registrados, eles enfrentarão duelos difíceis e, em alguns casos, disputas de três vias, nas quais serão pressionados a renunciar para bloquear o RN. De acordo com Mathieu Gallard, diretor de pesquisa da Ipsos, pode haver de 285 a 315 desses casos, mais da metade do total.
Em alguns distritos eleitorais, isso poderia significar convocar os eleitores centristas a apoiar o NFP, uma aliança que promete trazer de volta o imposto sobre a fortuna, aumentar o salário mínimo em 14%, introduzir um imposto sobre os “superlucros”, aumentar o imposto sobre heranças e eliminar o imposto sobre a renda de investimentos. Uma autoridade do partido de Macron disse que decidirá eleitorado por eleitorado, dependendo do candidato da NFP. Os candidatos qualificados têm até a noite de 2 de julho para confirmar que permanecerão na disputa.
O desvio de votos do centro para os extremos representa um paradoxo doloroso para o presidente. Estreante nas eleições, com 39 anos, Macron foi eleito pela primeira vez em 2017 em uma onda de otimismo pró-europeu, energia jovem e um senso de renovação política. Na noite da eleição daquele ano, ele prometeu que “faria tudo” para garantir que “não houvesse mais motivos para votar nos extremos”. No entanto, apesar de um sólido histórico de criação de empregos e sucesso empresarial na França, o solitário Macron nunca conseguiu persuadir os eleitores de que está próximo a eles ou que os entende.
Além disso, o próprio sucesso de seu amplo movimento centrista, que tomou emprestado talentos da esquerda e da direita moderadas, acabou enfraquecendo as alternativas razoáveis ao centro. Na aliança do NFP, os socialistas e os verdes agora se uniram ao partido de esquerda radical de Mélenchon. O presidente dos Republicanos, de centro-direita, Eric Ciotti, dividiu o partido e se uniu ao RN de Le Pen. Os republicanos moderados remanescentes, que rejeitaram sua aliança, obtiveram 10% de votos e parecem estar prestes a ser reduzidos a um pequeno grupo parlamentar.
No entanto, o que ainda não está claro após esses resultados do primeiro turno é se Le Pen conseguirá garantir a maioria em 7 de julho. As pesquisas sugerem que isso está ao alcance, mas não é uma certeza. Jordan Bardella, seu candidato de 28 anos ao cargo de primeiro-ministro e uma figura popular no TikTok, insiste que não aceitará o cargo a menos que comande essa maioria no parlamento. Sem ela, se Macron lhe pedisse para tentar formar um governo, ele poderia ser derrubado por uma moção de desconfiança logo no primeiro obstáculo. A França passaria então por uma busca por um primeiro-ministro capaz de formar um governo estável, o que poderia levar a um período que se assemelha à instabilidade crônica da quarta república do país, em 1946-1958.
Se a aliança liderada pelo RN conseguir conquistar a maioria, ou se conseguir juntar uma com novos desertores, o país estará caminhando para uma forma de “coabitação” desconfortável entre o presidente e o governo, em que cada um deles tem uma visão diametralmente oposta sobre quase tudo, desde a política fiscal até a Europa, a Ucrânia e a Otan.
A constituição da quinta república, concebida por Charles de Gaulle em 1958 exatamente para trazer a tão necessária estabilidade, poderá ser duramente testada. Nesta semana, Le Pen desafiou a separação de Poderes, sugerindo que o papel constitucional do chefe de Estado como comandante-chefe das forças armadas era apenas “honorário”. De qualquer forma, os mercados estão preocupados. Em 28 de junho, a diferença de taxas entre os títulos soberanos de dez anos franceses e alemães atingiu seu maior nível desde 2012. A França parece estar caminhando a toda velocidade, em um estado de raiva e apreensão, para o desconhecido político.
Fonte: https://www.estadao.com.br/internacional/the-economist-macron-golpe-esmagador-franca 01/07/2024
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