Eram 21h30min quando, ao término da conferência proferida em São
Paulo, Mario Vargas Llosa foi perguntado sobre seus próximos projetos.
Com a elegância e o humor de sempre, respondeu: "Se eu começar agora a
falar sobre meus próximos projetos, não sairemos daqui antes que o dia
amanheça." Era 2016, e Vargas Llosa tinha 80 anos.
Tomie Ohtake, durante uma entrevista à revista 'A Terceira Idade', em
2004, ouviu a seguinte pergunta: "O fato de ter iniciado sua carreira
aos 39 anos de idade seria responsável por sua longevidade como pessoa e
como artista?" E Tomie: "Acho que trabalhar e ter novas metas são o
segredo. Trabalhar sistematicamente é muito bom. Eu nem penso nessas
coisas de idade, pra mim isso não é importante. Eu sempre estou mudando.
Não penso 'quero mudar!', mas estou sempre mudando." Naquele momento,
ela estava prestes a completar 91 anos, e seguiria trabalhando ainda por
mais 10, até sua morte.
Em junho de 2011, pouco antes de celebrar seus 80 anos, Fernando
Henrique Cardoso concedeu uma longa entrevista ao portal iG, durante a
qual um dos jornalistas perguntou: "E em sua vida pessoal, hoje, aos 80
anos, como o sr. está se sentindo?" "Bem. Me sinto muito bem. Claro, tem
coisas que você perde... perdi Ruth, perdi irmão, mãe, pai, amigos...
nesse sentido é pior. Mas no sentido de você mesmo, o seu sentido de
liberdade, de que você sabe o que pode e o que não pode, seus limites,
nesse sentido a maturidade ajuda. Claro que eu preferiria ser jovem –
mas jovem com experiência de hoje, o que não é possível. Então, você tem
que viver o momento. Eu não vivo saudade, choro, passado, nem me
preocupo muito com isso. (...) Eu faço o que eu gosto. (...) Eu gosto de
viver intensamente os momentos. O que me move são valores, ideias,
pessoas... eu estou de bem com a vida. Levanto de bom humor, trabalho
incessantemente – incessantemente. E com prazer. Eu faço as coisas com
prazer."
A ideia de uma juventude eterna permeia desde sempre o imaginário
humano. Da epopeia de 'Gilgamesh', a obra literária mais antiga já
produzida (3º milênio A.C.), ao 'Drácula' de Bram Stoker, são inúmeras
as sagas de personagens em busca da fonte da juventude – traduções
metafóricas de um anseio universal. Hoje em dia, pesquisas científicas
que buscam ampliar tempo e qualidade de vida, assim como novas fórmulas
"milagrosas", que surgem diariamente com promessas de rejuvenescimento
(dieta, cremes ou procedimentos estéticos), demonstram claramente que
essa busca continua.
Mas por que almejamos essa eterna juventude? O que, da juventude,
sentimos perder-se ao longo da vida e que desejamos tão insistentemente
recuperar? Do que não queremos abrir mão?
Em um primeiro momento, podemos pensar na forma física – a pele lisa e
viçosa, os cabelos brilhantes, o corpo tonificado e cheio de energia.
Mas seria apenas isso? A aparência jovem seria um fim em si?
Uma reflexão mais profunda pode nos trazer respostas mais
consistentes. Sem dúvida todos perseguimos uma aparência bela e
saudável, mas não exatamente porque almejamos ser modelos estéticos.
Por meio de nossa aparência, na verdade, buscamos afirmar que ainda
estamos no jogo da vida. É da vida que não queremos abrir mão, e de tudo
de bom que ela nos oferece: descobertas, aprendizados, diversões,
amores, prazeres.
Por séculos fomos forçados a acreditar que o desfrute da vida seria
privilégio da juventude – e talvez até tenha sido mesmo, na época em que
a medicina era incipiente, a igreja opressora e a expectativa de vida
não passava de 30 anos. Felizmente vivemos hoje uma nova realidade. A
expectativa média de vida no Brasil já está por volta dos 78 anos (na
França, 81, no Japão, 84), e com o avanço da medicina deve seguir
aumentando. Para além da questão da longevidade, estamos agora
refletindo sobre nossa trajetória nesse envelhecimento.
Ser jovem é ter tesão pela vida. E nesse sentido, a fonte da
juventude está dentro de nós mesmos. A consciência da finitude nos
amedronta mas, paradoxalmente, é ela que nos faz querer viver,
aproveitando o máximo possível cada momento. E viver plenamente, movido
por projetos, ideias, valores, pessoas. É disso que falam Vargas Llosa,
Tomie e Fernando Henrique. E também Manoel de Oliveira, Saramago e Cora
Coralina que, a um repórter que lhe perguntou "o que é viver bem?",
assim respondeu:
“Eu não tenho medo dos anos e não penso em velhice. E digo prá você, não pense.
Nunca diga estou envelhecendo, estou ficando velha. Eu não digo.
Eu não digo estou velha, e não digo que estou ouvindo pouco. É claro que
quando preciso de ajuda, eu digo que preciso.
Procuro sempre ler e estar atualizada com os fatos e isso me
ajuda a vencer as dificuldades da vida. O melhor roteiro é ler e
praticar o que lê.
O bom é produzir sempre e não dormir de dia.
Também não diga prá você que está ficando esquecida, porque assim você fica mais.
Nunca digo que estou doente, digo sempre: estou ótima. Eu não
digo nunca que estou cansada. Nada de palavra negativa. Quanto mais você
diz estar ficando cansada e esquecida, mais esquecida fica.
Você vai se
convencendo daquilo e convence os outros. Então silêncio!
Sei que tenho muitos anos. Sei que venho do século passado, e que
trago comigo todas as idades, mas não sei se sou velha não. Você acha
que eu sou?
Posso dizer que eu sou a terra e nada mais quero ser. Filha dessa abençoada terra de Goiás.
Convoco os velhos como eu, ou mais velhos que eu, para exercerem
seus direitos. Sei que alguém vai ter que me enterrar, mas eu não vou
fazer isso comigo.
Tenho consciência de ser autêntica e procuro superar todos os
dias minha própria personalidade, despedaçando dentro de mim tudo que é
velho e morto, pois lutar é a palavra vibrante que levanta os fracos e
determina os fortes. O importante é semear, produzir milhões de sorrisos
de solidariedade e amizade.
Procuro semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça. Digo
o que penso, com esperança. Penso no que faço, com fé. Faço o que devo
fazer, com amor. Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade
também se aprende.
Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou
chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho
incerto da vida, que o mais importante é o decidir.”
***
Valéria Midena, arquiteta por formação, designer por opção e esteta por devoção, escreve quinzenalmente no São Paulo São. Ela é autora e editora do site SobreTodasAsCoisas, produtora de conteúdo e redatora colaboradora do MaturityNow.
Valéria Midena, arquiteta por formação, designer por opção e esteta por devoção, escreve quinzenalmente no São Paulo São. Ela é autora e editora do site SobreTodasAsCoisas, produtora de conteúdo e redatora colaboradora do MaturityNow.
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