Conversa com Pierre-Louis Choquet, co-autor de Plaidoyer pour un nouvel engagement chrétien e doutorando em Geografia em Oxford, e Paul Picarreta, co-fundador de Limite "revista de ecologia integral" e jornalista.
A entrevista foi editada por Bruno Bouvet e Gauthier Vaillant, publicada em La Croix International, 05-05-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Vocês lamentam o fato, como outros católicos, que a sociedade não é mais cristã como no passado?
Paul Picarreta: Ambos nascemos no final dos anos
1980. Minha mãe era de família muçulmana e meu pai vinha de uma família
italiana, descristianizada. De fato, nascemos em um mundo que já não é
mais cristão. No entanto, agora estou aqui, nas dependências do La Croix,
para falar sobre a minha fé cristã. Hoje as pessoas estão se
questionando, redescobrem a sua fé, muçulmanos encontram Cristo...
Portanto, não é o caso de fazer discursos catastróficos sobre o fato de
que as pessoas não têm mais fé. Pelo contrário, o contexto atual é mais
de renovação.
Pierre-Louis Choquet: Muitas vezes, criamos uma ideia estranha do que foi o cristianismo no passado. Imagina-se a Idade Média como um período extremamente cristão. Mas, por exemplo, a participação nos sacramentos e na missa era muito baixa ...
Paul Picarreta: Apresentar um passado maravilhoso, muitas vezes é uma desculpa para não fazer nada hoje.
Fala-se muito da necessidade para a Igreja de um "diálogo com a sociedade." O que significa, em sua opinião?
Paul Picarreta: Eu não gosto dessa expressão, porque
falar de diálogo com a sociedade significa colocar-se do lado de fora
da sociedade. Mas eu não considero que nós vivamos em um mundo paralelo.
Para mim, uma vez que alguém conheceu Cristo, isso deve transparecer no
cotidiano dessa pessoa, e pode ser visto porque não pode ser calado.
Eu, por exemplo, falo sobre a minha fé com as pessoas com quem jogo
futebol no fim de semana, porque uso a camiseta do San Lorenzo, o time do Papa Francisco.
Pierre-Louis Choquet: É verdade que os cristãos são cidadãos como todos os outros. Mas, no entanto, temos uma característica particular que é o Evangelho.
A forma de vida que é proposta ao cristão, que decorre de um encontro
pessoal com Cristo, implica em escolhas. E essas escolhas podem estar em
dissonância com o que se vive no mundo contemporâneo.
É uma tensão que sempre existiu, especialmente em um mundo onde a
referência com o Evangelho se desintegrou. Eu acredito que até no
Evangelho exista um convite ao diálogo com a cultura. Mas a escolha do
diálogo não é de todos na Igreja. Depende do juízo que for dado a priori sobre os modos de vida descristianizados.
Para usar um exemplo concreto, de que modo os cristãos devem participar nos debates atuais sobre os temas da bioética?
Paul Picarreta: Não é como cristãos que se deve participar a esses debates. Para mim, as questões da bioética apresentam problemas sociais, filosóficos, antes que religiosos. Nossa fé nos inspira, mas não precisamos da Bíblia para argumentar sobre esses temas. Há muitos intelectuais que se opõem à manipulação da vida sem ser cristãos.
Pierre-Louis Choquet: Concordo com o fato de que é
preciso, na medida do possível, traduzir para a linguagem da razão os
argumentos que tocam a nossa fé. Mas, pelo contrário, não considero
embaraçoso dizer que somos cristãos. Eu acho que temos que ser
transparentes com aqueles que pensam de forma diferente: temos uma
referência básica que é a da revelação, que não nos impede de propor
argumentos, mas que inspira a nossa concepção da vida boa. Em vez disso,
uma coisa a que podemos nos opor como cristãos é o cientificismo,
que é um desvio em relação à meta inicial da ciência. Os cristãos devem
convidar as pessoas que têm posições diferentes das suas para
questioná-las sobre as fontes morais a que se referem para justificar
seus argumentos. Mas também devemos enfatizar o risco que os católicos
correm de se de isolar na sociedade, caso se apoderem desses temas para
transformá-los em uma espécie de “luta de gerações."
A esse respeito, como priorizar as múltiplas questões de mobilização na sociedade de hoje?
Pierre-Louis Choquet: É importante estar presente nas questões da bioética.
Não se trata de esconder as nossas convicções ‘debaixo do alqueire’.
Mas é muito difícil construir posições comuns sobre tais questões, além
disso, são bastante espinhosas. O desafio ecológico ou o acolhimento de migrantes são temas sobre os quais se mobiliza a nossa referência ética cristã,
mas que nos permitem unirmo-nos a pessoas cujas convicções têm outra
origem. Os cristãos deveriam perceber que é muito mais fácil criar
oportunidades para testemunhar a sua fé em tal tipo de questões.
Paul Picarreta: Obviamente, se você nunca sai e só
se manifesta uma vez a cada trinta anos, e apenas sobre temas da vida
social, não terá nenhuma credibilidade! No plano político, somos
obrigados a adaptarmo-nos à atualidade, a enfrentar as questões uma a
uma. Hoje é a bioética, daqui a seis meses será outra coisa ... O
desafio é estar pronto quando for necessário. Então, você tem que
trabalhar a montante. E no nível individual a prioridade absoluta é a conversão ecológica, que, de fato, explica o resto. E isso também é um ato político.
Na sociedade atual, o cristianismo pode ser uma coisa diferente de uma contra-cultura?
Paul Picarreta: Uma contra-cultura existe
sempre em referência a uma cultura dominante. Qual é a cultura
dominante de hoje? Para os católicos de direita, é o "esquerdismo
cultural", o relativismo moral ... por isso se pensam como parte de uma
contra-cultura. Mas acho esquisito que católicos, que fazem parte da
burguesia, que frequentam escolas de negócios e trabalham em grandes
empresas, possam se considerar como pertencentes a uma "contra-cultura"
... Dessa forma, todos estão em uma contra-cultura! Eu acredito que o cristianismo
possa ser uma contra-cultura, mas enquanto a cultura dominante for de
viés produtivista e liberal. E aos católicos de esquerda, que pensam que
seja preciso, sobretudo, evitar pensar o cristianismo como uma
contra-cultura, com o risco de ficar fora do mundo, eu digo: vivemos em
um mundo que está restringindo a vida em todas as suas formas. Então,
opor-se à cultura dominante não é um problema, pelo contrário!
Pierre-Louis Choquet: Como cristãos, temos um
referencial ético que nos coloca em tensão com a sociedade, porque o
Reino não é deste mundo. Então, às vezes é preciso ir em direção oposta
às práticas do mundo. Dito isso, eu sou bastante hostil, como herdeiro
dos cristãos da esquerda, à palavra "contra-cultura". O que deve ser
colocado, em primeiro lugar, é o diálogo. O cristianismo fica mais
criativo quando passa através dos outros. Quando se olha no espelho,
acaba se perdendo.
Alguns católicos estão seduzidos pela ideia de uma saída
total da sociedade, para proteger-se dos excessos do mundo
contemporâneo. O que vocês podem dizer a eles?
Paul Picarreta: Não façam isso! (Risos)
Pierre-Louis Choquet: A religião cristã morre quando
não está mais em contato com outras sociedades. É preciso acreditar que
é possível mudar as coisas, sem esquecer que os nossos referenciais
estão em outro lugar, como cristãos. E é isso que pode nos dar a força
para agir, apesar de tudo.
Paul Picarreta: Aqueles que querem sair são
covardes, ou são pessoas que nunca tiveram a experiência de que a
mudança é possível! Todos os dias encontro pessoas que mudam, que se
convertem à ecologia... Ainda há muitas lutas a serem vencidas. Ninguém
tem o direito de se dispersar.
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Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/578738-ser-cristao-em-uma-sociedade-secularizada-1-3 09/05/2018
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