Thomaz Wood Jr.*
A superespecialização da ciência tornou os artigos mais longos, herméticos e cheios de jargão
Um pilar da ciência transformou-se em zumbi à espera de um verdugo que abrevie sua agonia e da troca por algo melhor
Um teste para o leitor: quais destes títulos correspondem a artigos verdadeiros? 1. Desenvolvendo redes ativas usando algoritmos randomizados; 2. Re-representação (sic) como projeto de trabalho em terceirização: uma visão semiótica; 3.
As dinâmicas de intersubjetividade e os imperativos monológicos em Dick
e Jane: um estudo sobre modos de gêneros transrelacionais; 4. Atalhos e jornadas interiores: construindo identidades portáteis para carreiras contemporâneas.
Parabéns a quem respondeu 2 e 4. O artigo 2 foi publicado em MIS Quarterly, um dos principais periódicos da área de Gestão da Informação; e o 4 saiu na prestigiosa revista Administrative Science Quarterly. Os demais são falsos. O título 1 foi obra de um software criado por estudantes do MIT, que gera artigos completos, totalmente falsos e absurdos; e o 3 foi retirado de um cartoon de Calvin, no qual o personagem, depois de criá-lo, exclama: “Academia, aqui vou eu!”
De fato, não falta ironia contra a
linguagem adotada em textos científicos. Alguns parecem ter sido criados
para inflar achados menores e intimidar leitores com uma linguagem
empolada e turva.
Ocorre que o artigo científico é um dos pilares de
desenvolvimento da ciência. Antes de seu surgimento, os resultados de
experimentos e novos conhecimentos eram informados em apresentações e
por meio de cartas. O artigo científico facilitou a comunicação e acelerou a evolução do conhecimento.
Hoje, o sistema de publicações
científicas compreende milhares de revistas e está estruturado em
castas. Grandes grupos editoriais estão por detrás do lucrativo negócio.
No topo encontram-se os periódicos mais seletivos e reputados. Publicar
nesses veículos requer passar pelo duro escrutínio de exigentes
avaliadores. Provê status e reconhecimento dos pares. Facilita o acesso a
financiamentos e pode acelerar a carreira acadêmica.
Nos últimos anos, o sistema passou a ser criticado. As universidades, preocupadas com rankings e sob pressão para justificar gastos,
passaram a pressionar pesquisadores a publicar mais. Muitos deles
mudaram de rumo: em lugar de gerar novo conhecimento, passaram a
orientar seus esforços para gerar mais publicações.
Assim, o foco na ciência
foi trocado pelo foco nos indicadores de desempenho e na própria
carreira. Do outro lado do balcão, a própria comunidade científica
multiplicou o número de periódicos, ampliando o espaço para textos de
qualidade duvidosa.
Mesmo no topo, a situação é preocupante. Textos
científicos de eras anteriores eram menos especializados e formais. Eram
também mais curtos e diretos. E não havia ainda o fetiche da
estatística. A superespecialização da ciência tornou os artigos mais
longos, herméticos e cheios de jargão.
O modelo tornou-se anacrônico e precisa
de reformas. Artigos científicos deveriam ser mais simples de escrever e
mais rápidos de ler. A forma deveria ceder espaço ao conteúdo. Escapar
da forma papel (ou pdf) é o primeiro passo. Em seu lugar, poderíamos ter
módulos de conhecimento, curtos e objetivos, especializados e
rigorosos, porém também atraentes e interessantes.
Este sucedâneo deveria se distanciar do
hermetismo estatístico tanto quanto das caudalosas digressões textuais.
Hiperlinks e recursos interativos poderiam prover acesso direto a bases
de dados, textos de apoio, imagens, simulações e outros recursos de
interesse dos leitores.
Entretanto, mudar somente a forma não é suficiente. Em muitos campos a superespecialização levou à fragmentação,
com a multiplicação de pequenos grupos de pesquisa orientados por
interesses próprios e pouco dispostos a esforços cooperativos. É preciso
reverter essa tendência e fomentar pesquisa em torno de temas
aglutinadores, convergentes com as necessidades e demandas da sociedade.
Recentemente, o editor do periódico Academy of Management Journal,
um dos principais do campo da Administração, exortou a comunidade
científica a orientar esforços de pesquisa na busca de soluções para
problemas críticos que afetam o planeta: pobreza, desigualdade, crise
ambiental e muitos outros. Não há escassez de problemas e não temos um
planeta de reserva. A ciência deveria fazer mais.
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* Thomaz Wood Jr. escreve sobre gestão e o mundo da administração. thomaz.wood.jr@gmail.com
Fonte: https://www.cartacapital.com.br/revista/1002/o-fim-do-artigo-cientifico 10/05/2017
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