Marcha contra a guerra do Vietname, Nova York, 27 de abril de 1968
Uma das reações mais
interessantes a emergir de 1968 surgiu na primeira publicação da
Comissão Trilateral que entendia que se estava perante uma “crise da
democracia” por haver demasiada participação das massas.
1968
foi um tempo excitante de um muito vasto movimento, e deu, ele próprio,
origem a um amplo leque de movimentos. Não teria havido um movimento
global de solidariedade, por exemplo, se 1968 não tivesse existido. Foi
extraordinário em termos de direitos humanos, direitos das minorias e
também em relação às preocupações ambientais.
Os Pentagon Papers (Documentos do Pentágono, o relatório
governamental ultrassecreto, de 7.000 páginas, sobre a Guerra do
Vietname) são a prova de que, imediatamente a seguir à Ofensiva de Tet, o
mundo empresarial se manifestou contra a guerra porque achou que ela
saía demasiado cara, embora, sabemos agora, houvesse propostas no
interior do governo para que fossem enviadas mais tropas americanas.
Depois, LBJ (Lyndon Baines Johnson) anunciou que não enviaria mais
tropas para o Vietname.
Os Pentagon Papers dizem-nos que, devido ao medo em face de uma
crescente agitação urbana, o governo teve de pôr fim à guerra, já que
não tinha a certeza de ter tropas suficientes para enviar para o
Vietname e tropas suficientes para suprimir a revolta na frente
doméstica.
Uma das reações mais interessantes a emergir de 1968 surgiu na
primeira publicação da Comissão Trilateral que entendia que se estava
perante uma “crise da democracia” por haver demasiada participação das
massas. No final da década de 60, esperava-se que as massas fossem
passivas, não que entrassem na esfera pública e se fizessem ouvir.
Quando assim aconteceu, chamaram-lhe um “excesso de democracia” e houve
quem achasse que se estava a pôr demasiada pressão no sistema. O único
grupo que nunca expressava as suas opiniões era o empresarial e
corporativo porque era aquele cujo envolvimento na política era
aceitável.
A comissão reivindicava mais moderação na democracia e um retorno à
passividade. Afirmava, ainda, que as “instituições de doutrinação” –
escolas, confissões religiosas – não estavam a cumprir a sua função e
teriam de ser mais duras.
A medida padrão de atuação mais
reacionária foi muito mais dura relativamente aos acontecimentos de
1968, na medida em que tentou reprimir a democracia, tendo, até certo
ponto, sido bem sucedida – mas não totalmente, já que os movimentos de
ativismo social têm vindo a aumentar. Por exemplo, era inimaginável, em
1968, que, em 1980, viesse a existir um grupo internacionalista chamado
Solidarity.
Mas a democracia é hoje ainda mais forte do que era em 1968. Temos de
nos lembrar de que, durante o Vietname, não houve, de início, qualquer
oposição à guerra. Acabou por surgir, mas apenas seis anos depois de
John F. Kennedy ter atacado o Vietname do Sul e as baixas militares
terem disparado. No entanto, no caso da Guerra do Iraque, a oposição à
guerra esteve lá, desde o primeiro dia, mesmo antes de ter sido
desencadeado qualquer ataque. A Guerra do Iraque foi o primeiro
conflito, na história do ocidente, em que uma guerra imperialista foi
objeto de protestos massivos, ainda antes de ter começado.
Há ainda outras diferenças. Em 1968, a mera discussão da
possibilidade de retirada do Vietname remetia-a para as margens da
sociedade. Agora, qualquer candidato presidencial menciona a retirada do
Iraque como uma escolha política real.
Hoje, há ainda muito mais oposição à opressão do que anteriormente.
Por exemplo, os Estados Unidos costumavam apoiar ou desencadear golpes
militares na América Latina. Mas a última vez que os Estados Unidos
apoiaram um golpe foi em 2002, na Venezuela e, mesmo assim, tiveram de
recuar rapidamente devido a uma opinião pública hostil. Pura e
simplesmente já não podem fazer o tipo de coisa que faziam dantes.
Por isso, penso que o impacto de 1968 foi duradouro e, no seu todo, positivo.
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Artigo de Noam Chomsky, publicado em “New Statesman”, a 8 de maio de 2008, disponível em chomsky.info (link is external). Tradução de Maria Helena Loureiro para esquerda.net
Fonte: https://www.esquerda.net/artigo/noam-chomsky-sobre-1968/54841 06/05/2018
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