Luiz Fernando Veríssimo*
A realeza é paga para ser o teatro do poder
Os ingleses
fizeram a primeira revolução republicana da História, mas, sabiamente,
voltaram atrás e mantiveram a monarquia, intuindo que um poder não pode
governar e dar espetáculo ao mesmo tempo. Na Inglaterra, o parlamento
governa e a monarquia dá o espetáculo. A sabedoria da decisão se
confirmou na era dos tabloides, para a qual o parlamento tem dado sua
cota de escândalos e assunto, mas nada parecidos com os fornecidos pela
família real. Pois o que são os rituais cotidianos e pecados venais de
plebeus comparados com a pompa e as indiscrições de príncipes e
princesas? A realeza é paga para ser o teatro do poder, uma
representação do Estado como drama familiar, como sitcom, para inspirar,
divertir ou indignar os súditos. Ou enternecê-los com cada novo bebê da
Kate. Enquanto isso, os parlamentares governam.
No
Brasil, ao contrário, somos anti-ingleses. Aqui o rei e sua família dão a
sua cota de escândalo e assunto, mas o parlamento e o judiciário é que
têm dado o espetáculo. Nos revelam a sua intimidade, os seus conflitos
de lealdades e escrúpulos, os seus podres, as suas culpas e expiações - e
seus pseudopríncipes, pseudoprincesas e maus atores - e concentram o
interesse da imprensa e do público. O rei reteve alguns privilégios da
monarquia absoluta, anteriores a todas as revoluções, mas os escândalos
do palácio não se comparam aos escândalos do parlamento e das cortes.
Com todos os seus problemas, caminhando rapidamente para a irrelevância,
Temer não chega nem a ser uma figura trágica. O espetáculo que ele dá é
de uma vítima patética das circunstâncias que ele mesmo ajudou a criar,
com o golpe na Dilma.
Já se disse que o Brasil está várias revoluções atrasado. Se nem o fim
do feudalismo foi providenciado ainda, não se pode pensar em implantar o
sistema inglês aqui - como naquele anúncio que oferecia mudas de
árvores milenares - nem tentar acertar o funcionamento dessa nossa
monarquia parlamentar ao avesso para poupar nossos parlamentares da
desmoralização total. Na própria Inglaterra, já tem muita gente achando
que a monarquia é um anacronismo condenado, cujo custo não compensa o
teatro. Vão acabar dizendo o mesmo do Congresso brasileiro.
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* Jornalista. Escritor. Cronista
Fonte: https://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,ao-contrario,70002321621
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