Juremir Machado da Silva*
Eis-me aqui novamente em Paris. Como todo ano. Cada vez mais em
busca da primavera, do sol e das cerejeiras floridas. Refaço o trajeto
de uma quadra, na avenida do Maine, numa alça para a estação de
Montparnasse, próximo de onde morei tantos anos, só para contemplar as
árvores rosadas. Alguns me chamam de francófilo. Nunca fui. Não sou. As
culturas para mim não se dividem por nacionalidade. Cada lugar tem os
seus encantos. Tenho também os meus amores por Berlim, onde vivi mais
rapidamente, Lisboa, onde sempre volto, e pelo Rio de Janeiro, com sua
sensualidade. Somente o frio me assusta, desespera e afugenta.
Vítor Ramil consagrou a “estética do frio” para falar do Rio Grande
do Sul com a sua alma platina. O frio me traz lembranças de campos
gelados, galpões cheios de frestas, vento sibilando, cuscos rengueando e
crepúsculos de fazer chorar. Passei onze invernos na Europa. Chorava de
saudades do calor. A Paris que eu amo é primaveril. As moças exibem-se
em vestidos leves que lhes dão ar de camponesinhas de quadros
impressionistas. Os homens alegram-se com a possibilidade de novamente
libertar os braços das amarras dos casacos pesados. Tudo renasce. O que
venho fazer em Paris todo ano? Durante muito tempo, em junho, participar
das “Jornadas do Centro de Estudos do Atual e do Quotidiano”,
organizadas por Michel Maffesoli, na Sorbonne. Mas também, em maio ou
novembro, das reuniões do conselho editorial da revista científica
Hermès, editada, sob a direção de Dominique Wolton, pelo CNRS, o centro
nacional de pesquisa científica da França.
Alguns das minhas tantas viagens foram para fazer entrevistas com
grandes intelectuais ou dar aula na universidade Paris IV. Já se vai uma
vida de troca intelectuais com os franceses. Hermès tem mais de 40
integrantes do mundo inteiro no seu conselho. O Brasil é representado
por mim e por Tom Dywer, professor do departamento de Sociologia da
Universidade de Campinas. Em volta de uma grande mesa, num prédio de
tirar o fôlego, em Meudon, na periferia, debatemos questões de mídia,
tecnologias da comunicação, cultura, comportamento, política, trabalho e
sociedade. Desta vez, chegamos todos preocupados com a greve
ferroviária prevista para os dias 28 e 29 de maio.
É possível ver cerejeiras floridas no Jardim das Plantas ou com a
Torre Eiffel de fundo. Mas também à beira do Sena, junto à Notre- Dame. A
beleza natural das cerejeiras só pode ser completada pela beleza
artística dos vitrais da Santa Capela, a meu ver o interior mais bonito
de Paris. Gostar de uma cidade europeia não distingue quem quer seja.
Não nos faz melhores nem piores. Não dá troféus. Europeus têm qualidades
e defeitos: podem ser muitos racistas, corruptos e fascistas. O que têm
praticado de melhor nas últimas décadas? O Estado do Bem-Estar Social,
que atende também pelo nome de socialdemocracia.
Um patrimônio que Emmanuel Macron, cada vez mais amigo de Donald
Trump, quer solapar. Vai precisar soterrar uma tradição de resistência.
Paris toujours. Paris sempre. Na primavera. Com sol. Contra os mitos, os caminhos trilhados e as demais estações.
-----------------
* Sociólogo. Escritor. Jornalista
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2018/05/10879/paris-toujours/
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário