Na última sondagem do Datafolha, divulgada em abril, 38% dos eleitores se encaixaram nesse universo. A pesquisa confirmou, segundo Paulino, que "a prisão não abalou a imagem" do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A identificação do eleitorado de baixa renda com Lula parece intocável. O diretor do Datafolha pontua que quase 70% do eleitorado brasileiro tem renda mensal familiar de no máximo três salários mínimos. São eles que definirão quem será o próximo presidente.
Outro indicativo da pesquisa, para Paulino, é que pelo menos três candidatos podem se engalfinhar na reta final pelo segundo turno. Ele faz o diagnóstico com base na curva histórica que mostra os votos no PT caindo, no PSDB bastante estagnado e a escolha por "uma terceira via" em ascensão. É neste contexto que o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, recém-filiado ao PSB, parece um nome com grande potencial. De origem humilde, Barbosa é o Lula intelectualizado, ou o Fernando Henrique que pode se conectar com o povo.
Sobre o PSDB e Geraldo Alckmin, o diretor do Datafolha advoga que dificilmente o tucano vai chegar ao início da campanha com 5%. "Seria muito improvável imaginar que ele vai continuar nesse patamar baixo, assim como um candidato do PT. E assim como o candidato que seja apoiado pelo MDB."
Valor: A intenção de votos para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva segue alta, mesmo após a sua prisão. O que explicaria essa estabilidade de um nome que provavelmente não será candidato?
Mauro Paulino: Na verdade o Lula caiu um pouquinho na espontânea, conseguimos comparar com a pesquisa anterior, mas ficou estável nos cenários de segundo turno e aumentou um pouco seu potencial de transferência de votos. Havia 27% que votariam com certeza em um candidato apoiado por ele e isso passou para 30%. Considerando o conjunto da pesquisa dá para dizer que a prisão não abalou a imagem de Lula. Pode ter abalado um pouco as intenções de voto, não porque as pessoas deixaram de querer votar nele, mas porque a prisão se fez concreta e alguns eleitores do Lula acham que ele não poderá concorrer de fato. Esse é o principal motivo da oscilação negativa nas intenções de voto.
Valor: O que explica esse fenômeno?
Paulino: A lembrança do eleitorado de baixa renda dos dois governos dele. E a gente não pode se esquecer de que é esse eleitorado que decide a eleição no Brasil. Quase 70% dos eleitores no Brasil [população acima de 16 anos] têm renda familiar mensal de até três salários mínimos: 48% recebem até dois salários [renda familiar] e 20% recebem entre dois e três salários. Então são 68% dos eleitores. Sem convencer esse estrato, nenhum candidato se elege no Brasil. Há essa lembrança de conquistas associadas muito fortemente aos dois governos do Lula, que foram se perdendo a partir do governo Dilma. Existe essa identificação muito forte [com a era Lula], essa lembrança de ganhos, e não só financeiros, mas de acesso a faculdades, por exemplo; 2014 foi a primeira eleição do país em que a maioria dos eleitores tinha pelo menos o segundo grau. Em geral, nessa faixa de baixa renda, os jovens que entraram para a faculdade foram os primeiros da família a ter essa oportunidade. Tudo isso criou um laço muito forte com a figura do Lula, muito mais do que com o PT.
Valor: Após o impeachment houve certo resgate dessa imagem do governo Lula, certo saudosismo?
Paulino: Sim. A partir de 2013 a crise de representação se explicitou, e a descrença nos políticos e nos partidos, especialmente, que já era muito marcante, se evidenciou ainda mais. De lá para cá a gente passou a ter mais de 60% de eleitores que, constantemente, não têm nenhum partido de preferência. Isso chegou a 75%. Os eleitores estão valorizando muito mais os nomes, tentando buscar candidatos que podem resolver seus problemas do dia a dia, ou atrapalhar menos a sua vida cotidiana. Praticamente 2/3 dos brasileiros ignoram a existência dos partidos.
Neste ambiente atual, o Lula acaba por ser o maior líder, o que é identificado por um maior número de pessoas como um político confiável, mesmo com as acusações, mesmo com todo o noticiário, desde o mensalão, a condução coercitiva, o depoimento ao [Sérgio] Moro e, agora, a prisão. Mesmo com tudo isso a gente tem um terço de eleitores que podem ser classificados como pró-Lula. Se o Lula estiver no cenário, eles votam no Lula; se ele não estiver, eles dizem que votariam com certeza em um candidato apoiado por ele e não o rejeitam. Por outro lado, temos também um terço do eleitorado que não vota no Lula de forma alguma e não vota em candidato apoiado por ele de forma alguma. E sobram 38% que são eleitores-pêndulo, eles variam de opinião, esperam a campanha, avaliam os candidatos sem se engajar em nenhum dos dois lados. Esse eleitorado-pêndulo subiu: na pesquisa anterior era 30%, agora é 38%.
Valor: E esse eleitorado-pêndulo é outro segmento crucial para definir a eleição, além do eleitor de baixa renda?
Paulino: Justamente. Os candidatos precisarão entender isso e focar nesse eleitor-pêndulo e nos órfãos do Lula. Esses eleitores-pêndulo são, em sua maioria, mulheres, de baixa renda, moradores do Sudeste e com escolaridade média [ensino médio]. O Lula, quando não está nos cenários, o que salta aos olhos é que aumenta muito o número de votos brancos e nulos. Cresce de 20%, o que já é um recorde para este momento em que vivemos, para 30%. É sintoma dessa falta de representação.
Valor: Mesmo preso, três em cada dez brasileiros dizem que votariam num candidato indicado por Lula. Esse potencial de transferência vai depender do timing político do PT?
Paulino: Sim, esse é o grande dilema do PT: em que momento vai admitir a não candidatura do Lula e lançar um candidato? Esses 30% têm potencial para votar num candidato indicado por Lula, mas esse candidato precisa se apresentar. Ele precisa ser apresentado pelo Lula e depois se apresentar ao eleitor, como fez a Dilma em 2010.
Valor: Deixar isso para frente pode ser um risco?
Paulino: Pode ser tarde. Outro risco pode ser lançar a candidatura agora e enfraquecer a imagem do Lula. Fizemos a pergunta se o eleitor votaria num candidato do Lula. Depois apresentamos os nomes do [Fernando] Haddad e do Jaques Wagner. Ambos ficaram em torno de 15%. A transferência não é automática, mas achei alta. Haddad, fora de São Paulo, é inexpressivo. Jaques Wagner, a mesma coisa, fora da Bahia. Ou seja, eles precisam consolidar a imagem. E isso depende de tempo de campanha, de aparição na mídia, de visita aos Estados. A eleição de 2018 terá muito mais indefinição do que a de 2014, que já foi bem complicada, e terá um número altíssimo de candidatos, uma dispersão de candidaturas. A considerar o ambiente atual e os números atuais, é provável que essa eleição tenha mais que três candidatos com chance de ir para o segundo turno na reta final.
Valor: A tendência é que a disputa pelo segundo turno seja mais acirrada que em pleitos anteriores?
Paulino: Sim. Quando a gente observa os resultados de eleições em primeiro turno, de 1994 até 2014, todas as votações ficaram polarizadas entre PT e PSDB. Mas o número de votos no PT vem caindo, e os votos no PSDB ficaram estáveis nas últimas eleições. E uma terceira via vem subindo. Se mantida essa curva, que é bastante consistente, mantida essa tendência, a chance de haver três candidatos no final concorrendo ao segundo turno, ou talvez até mais de três, é muito grande. Como também é muito provável que a gente tenha uma taxa de brancos e nulos bem alta.
Valor: O desempenho de Joaquim Barbosa na pesquisa é considerado significativo?
Paulino: Isso é recall e lembrança da atuação dele no caso do mensalão. Ele entra na disputa não só com uma taxa de intenção de votos significativa, mas com algumas características que podem ser importantes neste momento. Por exemplo: se compararmos com Lula e com Marina Silva, ele também tem uma origem humilde, só que, ao contrário do Lula, ele estudou e teve sucesso, chegou a um cargo muito importante, mesmo com sua origem humilde, tendo sido faxineiro. Nós fizemos uma pesquisa muito importante há 20 anos, uma qualitativa, cuja conclusão foi de que o candidato ideal para o eleitor brasileiro seria uma mistura de Lula com Fernando Henrique. Que tivesse a origem e o conhecimento dos problemas como o Lula e a erudição e o preparo intelectual do Fernando Henrique. O Joaquim Barbosa, de certa forma, concretiza isso. Se isso for bem comunicado, ele pode inclusive abocanhar votos da esquerda.
Valor: Mesmo tendo sido o algoz de Lula e do PT no mensalão?
Paulino: É. Ele passa uma imagem de autoridade sem o autoritarismo do Bolsonaro. E, neste momento, isso vai contar muito, porque se há um problema que aflige muito os brasileiros é a segurança pública. Os brasileiros estão em busca de uma autoridade que possa amenizar esses problemas que afetam seu dia a dia. Há um dado impressionante: metade dos brasileiros adultos identificam ações de facções criminosas nas vizinhanças onde moram, para se ter uma ideia do alcance do problema. Isso no Brasil todo, inclusive em cidades pequenas.
Valor: E a ligação entre um possível fenômeno Joaquim Barbosa com o eleitor de centro? Uma pesquisa do Datafolha apontou que o Brasil se divide entre 40% esquerda, 40% direita e 20% centro. Há uma leitura de que o candidato que pegar nicho do centro, comendo beiradas, tem chance de ir para os segundo turno. Concorda?
Paulino: Isso persiste. Há um anseio por alguém de centro, que não só seja ideologicamente de centro, mas um político conciliador. Porque há um cansaço também dessa polarização, do Fla-Flu diário que a gente acompanha, principalmente nas redes sociais. Uma parte significativa dos eleitores, principalmente entre esses eleitores-pêndulo, quer alguém que brigue menos, que discuta menos, e que resolva mais. Isso explica um pouco a ascensão do Bolsonaro, porque ele criou uma marca ao longo dos anos de combate à criminalidade, de forma mais radical, que agrada a cerca de 20% dos eleitores que estão ou já estiveram com Bolsonaro.
Valor: Mas a segurança deixou de liderar o patamar de problemas. O eleitor voltou a apontar a corrupção na última pesquisa Datafolha.
Paulino: Sim, a corrupção está liderando. É que a corrupção é o pano de fundo. Quando o eleitor diz que se preocupa com saúde, certamente ele teve um caso dramático de um familiar que teve que passar por um hospital público, e quando ele volta para a casa e vê todo aquele noticiário sobre corrupção. Poxa, não tinha algodão para fazer curativo, mas os caras estão roubando tudo aquilo? É a mesma coisa quando ele não consegue matricular o filho numa escola pública. Tudo isso torna o eleitor mais pragmático do que nunca. O voto não será ideológico. O voto será em quem os eleitores entenderem que tem mais condições de resolver essas questões, e em quem passar uma mensagem convincente. Só que essa mensagem pode não ser factível. Pode ser que muita gente encontre alguém como o [João] Doria, que durante a campanha convenceu a maioria no primeiro turno, mas que saiu agora do governo com uma avaliação negativa. A cada eleição a cultura política é aprimorada. O brasileiro está aprendendo a acompanhar os eleitos, a avaliar administrações e a exigir mais, sobretudo dos serviços públicos.
Órfãos de
Lula e eleitores-pêndulo [na maioria mulheres de baixa renda e moradores
do Sudeste de escolaridade média] serão decisivos
Valor: Marina Silva pode herdar votos dos órfãos de Lula?
Paulino: Neste momento, Marina é quem mais ganha com a saída de Lula. Pelo recall de campanhas anteriores, por ser vista como alguém que não pratica a política tradicional, tão rejeitada, e por preservar-se dos embates polarizados, tem potencial e pode ser identificada como a alternativa conciliadora, em contraste com Ciro [Gomes] e Barbosa, explosivos. No entanto, terá pouco tempo de propaganda para expor seus argumentos e pode ser desconstruída se ameaçar crescer, como ocorreu em 2014.
Valor: A campanha na TV terá força grande?
Paulino: Sim, vai ter. Ainda nesta eleição a TV vai ser decisiva como foi em todas as outras. Mais que as redes sociais. As redes sociais têm a característica de muita velocidade na propagação da informação, mas elas mais confirmam convicções do que formam opiniões. O eleitor vai acordar de fato para a eleição e vai começar a definir o voto, especialmente neste ano, em que tudo está muito embolado, vendo a TV. Acho que a campanha na TV talvez tenha até importância maior que na eleição passada.
Valor: O candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, não cresceu na pesquisa. O que explicaria isso, na sua avaliação? A pesquisa não pegou ainda o impacto da transformação de Aécio Neves em réu. A dificuldade é do PSDB ou dele?
Paulino: Dos dois. A lembrança que a maior parte dos eleitores têm dos governos do PSDB, de Fernando Henrique, é bastante negativa, especialmente porque quando ele saiu o desemprego estava nas alturas. Há dificuldade de empatia com o FHC. Quando ele viajava e embarcava na carruagem da rainha da Inglaterra, aquilo soava, para a maioria da população, como esnobismo. Quando o Lula fez a mesma coisa, soava como a ascensão, o representante do eleitor que mostrava que qualquer um poderia chegar lá. O PSDB só tem 4% de preferência partidária do eleitorado hoje. Já chegou a 12%, 13%. Mas nunca chegou a alcançar o PT. O PT tinha abaixado para 9%, depois se recuperou e hoje está em 20%. Já chegou a 35%. E há também uma dificuldade específica do Alckmin, que é convencer os eleitores de outros Estados de que ele é um bom administrador. Muitas vezes há uma falha generalizada de análise das pesquisas. Dizem: "Ah, o Alckmin só tem 5% agora? Então a candidatura dele é inviável". O desafio do PSDB é tomar a decisão de manter o Alckmin até que a campanha comece, porque dificilmente ele fica nesses 5%. Agora, não podem agir como dirigente de futebol, em que o técnico que perde duas seguidas é mandado embora. Aí substitui o técnico e tem que começar tudo de novo.
Valor: Em São Paulo a situação dele é ruim.
Paulino: Está pior que Lula e que Bolsonaro. Não podemos nos esquecer da dificuldade que teve em 2010 para chegar ao segundo turno e, no segundo turno, ter menos votos que no primeiro. Por outro lado, há um campo de conquista de votos amplo neste momento, mais que em qualquer outra eleição. E o Alckmin conta com a máquina do PSDB, tem dinheiro, tem como fazer campanha com muita visibilidade e tempo de TV. Seria muito improvável imaginar que ele vai continuar nesse patamar baixo, assim como um candidato do PT. E assim como o candidato que seja apoiado pelo MDB.
Valor: O MDB também é outro componente eleitoral importante?
Paulino: Importantíssimo, com o tempo de TV que tem, a estrutura partidária disponível. Pode ser o fiel da balança. Se forem bancar uma candidatura Temer, é muito improvável que tenham algum sucesso. E [Henrique] Meirelles idem, porque vai ser associado, por seus adversários, a esse governo. O governo Temer é o mais rejeitado desde o fim da ditadura. Mais do que os presidentes que sofreram impeachment.
Valor: A pesquisa revela certa estagnação de Bolsonaro, que mesmo com a saída do Lula não cresce de forma significativa. Atingiu seu teto?
Paulino: Do início do ano até aqui ele parou de crescer. Isso de fato pode indicar que ele atingiu o teto. Não dá para afirmar ainda, precisaríamos ter mais tomadas. Mas eu desconfio que sim, que ele atingiu o teto e precisa abrir o leque de discurso. Se permanecer com o mesmo discurso e o mesmo padrão Bolsonaro de radicalismo, é possível que ele fique nesse patamar ou caia, principalmente porque, aparentemente, ele não vai ter tempo na TV. Ele se movimenta muito bem nas redes sociais, mas me parece que nesse aquário ele já pescou todos os peixes. Sessenta por cento dos eleitores do Bolsonaro têm menos de 34 anos, são de classe média, principalmente homens, moradores em grandes cidades. Esse é um público muito característico de internet. Ele praticamente atinge todo o seu eleitorado nas redes sociais. Ele precisa ampliar, atingir um eleitorado que tem resistência forte a ele sobretudo pelo discurso policialesco, que são os mais pobres, que temem a polícia, que sabem que são eles que vão apanhar. Agora, o eleitorado que ele já conquistou é muito fiel e muito cativo. Bolsonaro virou moda entre os jovens.
Valor: O que explicaria essa identificação de um eleitorado jovem e escolaridade alta com ele?
Paulino: Fizemos uma pesquisa nacional no ano passado com o Instituto Etco, com jovens de até 24 anos. Percebemos que a grande maioria identifica problemas na sociedade brasileira com relação à ética, à corrupção, mas todos não têm a menor ideia de como atuar para melhorar esse ambiente que existe no Brasil hoje. Quando aparece um Bolsonaro, acaba estimulando esse anseio de tentar intervir na sociedade de forma rápida e eficiente, principalmente na segurança pública. Muitos acabam enxergando que o negócio é fazer justiça com as próprias mãos, armar a população, tomar decisões de emergência, pois já que ninguém resolve nada, então vamos partir para o pau. O termo "bolso minion" está deixando de ser negativo para se tornar uma marca. Muitos jovens hoje se identificam com isso. Ele conseguiu virar moda nesse segmento específico entre jovens, homens, de classe média e dos grandes centros.
Valor: O Datafolha chegou cogitar retirar o Lula da cédula?
Paulino: Não, não. Ele tinha que estar ali. A gente só vai tirar o Lula a partir do momento em que o partido disser que ele não é candidato ou que haja, de fato, impugnação da candidatura. O objetivo da pesquisa era medir o impacto da prisão no lulismo. Era nossa maior curiosidade.
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Reportagem Por Malu Delgado | Para o Valor, de São Paulo 04/05/2018
Fonte: http://www.valor.com.br/cultura/5500945/barbosa-e-fusao-de-lula-e-fhc
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