João Pedro Pereira*
Esta experiência, defendeu Banino, indica que será
possível lançar luz sobre alguns dos mistérios do cérebro sem ter de
estudar cérebros biológicos
Brain and Creativity Institute / Arquivo
Funcionamento surgiu espontaneamente em redes neuronais e pode abrir caminho ao uso destas tecnologias para avanços nas neurociências.
Escolher um trajecto de um ponto ao
outro e descobrir novos caminhos (e atalhos) são tarefas comuns para o
cérebro de mamíferos, seja o de um turista a visitar uma cidade, o de
uma pessoa à procura do interruptor numa sala às escuras, ou o de um
roedor em busca da próxima refeição. Mas é um processo cujos detalhes
ainda não são inteiramente conhecidos pela ciência. Uma experiência
agora divulgada com um sistema de inteligência artificial, que foi capaz
de se orientar e de encontrar novos caminhos num ambiente virtual, veio
reforçar descobertas já existentes sobre o funcionamento cerebral
durante aquelas tarefas de navegação. E o resultado é também uma
demonstração de que a proximidade entre algumas técnicas de inteligência
artificial e o cérebro pode ser um instrumento útil para as
neurociências.
A experiência é detalhada nesta quinta-feira na revista Nature, num artigo científico
assinado por investigadores da University College de Londres e da
DeepMind, a empresa de inteligência artificial britânica que é
propriedade do Google. A equipa recorreu a redes neuronais, uma
tecnologia de inteligência artificial inspirada no cérebro, e também a
técnicas de aprendizagem profunda, que permitem às máquinas aprenderem a
desempenhar determinadas tarefas sem que tenham sido explicitamente
programadas para isso. Foi com estas tecnologias, por exemplo, que a
DeepMind desenvolveu algoritmos capazes de se tornarem, em pouco tempo, melhores do que os humanos no complexo jogo de Go, mesmo sem qualquer conhecimento prévio que não as regras do jogo.
Na experiência agora publicada, os investigadores treinaram agentes de inteligência artificial (software que
actua de forma autónoma) para localizar a sua própria posição e
encontrar o caminho de um ponto a outro num espaço virtual em que
múltiplos percursos eram possíveis. Para isso, usaram simulações de
percursos de roedores em busca de comida. Essas simulações incluíram
informação sobre a actividade cerebral associada à posição do animal que
acontece em certos neurónios (chamados células de posicionamento).
Estas células são um dos componentes de uma espécie de GPS do cérebro,
um sistema cuja descoberta foi distinguida em 2014 com um Nobel da Medicina. Ao longo do processo de aprendizagem das
máquinas, surgiu nas redes neuronais uma forma de representação do
espaço que é semelhante ao segundo componente daquele sistema de
orientação: as chamadas células de grelha, que estabelecem um padrão
hexagonal (como favos de mel) e que ajudam os animais a criar uma
representação interna do espaço exterior. Tal como os roedores, também
os computadores – sem que tivessem tido instruções nesse sentido –
mapearam o espaço com este tipo de padrão.
A razão por que os
computadores nesta experiência desenvolveram um funcionamento semelhante
ao do cérebro não é conhecida: uma das características destas redes
neuronais é que os processos pelos quais chegam a determinados
resultados não são inteiramente observáveis, mesmo por quem as cria.
“Descobrimos que representações em grelha emergiram espontaneamente
dentro da rede, mostrando uma convergência impressionante com os padrões
de actividade neuronal observados em mamíferos à procura de comida, e
consistentes com a noção de que as células de grelha fornecem uma
codificação eficiente do espaço”, observou um dos investigadores
responsáveis pelo estudo, Andrea Banino, numa nota que acompanhou a
divulgação do artigo.
A
representação do espaço semelhante à das células de grelha revelou-se
também uma forma de descobrir novos caminhos e de chegar mais
rapidamente ao objectivo. Quando os investigadores alteravam o espaço
virtual (por exemplo, abrindo uma passagem anteriormente fechada), só os
agentes de inteligência artificial que usavam esta representação do
espaço eram capazes de descobrir os atalhos.
Esta experiência,
defendeu Banino, indica que será possível lançar luz sobre alguns dos
mistérios do cérebro sem ter de estudar cérebros biológicos. “Tudo o que
pensamos, que recordamos e que sentimos está de alguma forma codificado
nos nossos cérebros. Para perceber isto, temos de aprender como olhar
para conjuntos de neurónios, medir a sua actividade e relacionar isto
com os nossos comportamentos. Contudo, isto é muito difícil de fazer com
cérebros biológicos. Com este novo artigo, julgo que estamos a começar a
disponibilizar uma potencial abordagem nova usando aprendizagem
profunda”, afirmou o investigador. “Se pudermos melhorar estes modelos
artificiais, podemos potencialmente usá-los para melhor entender as
outras funcionalidades do cérebro.
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* Colunista do Público. Site de Portugal. Membro da Comissão Executiva - Director de Marketing e Tecnologia - ERA
Fonte: https://www.publico.pt/2018/05/09/tecnologia/noticia/inteligencia-artificial-imita-cerebro-para-encontrar-caminhos-em-espacos-virtuais-1829462
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