O economista e
comentarista do Financial Times diz que a solução política para o país
está no centro e que a polarização poderá ter consequências “trágicas”
Pode-se medir a importância de uma economia
no mundo pela quantidade de textos sobre ela escritos por Martin Wolf,
72, o principal comentarista do jornal inglês Financial Times. Formado
em economia pela Universidade de Oxford e ex-economista sênior do Banco
Mundial, Wolf escreve cada vez menos sobre o Brasil — o último artigo,
em novembro de 2017, foi o primeiro em quatro anos de silêncio. O
britânico foi crítico contumaz da chegada do PT ao poder por acreditar
que o país teria seu caminho de estabilidade interrompido por um calote
de sua dívida externa. Errou feio. Depois do tropeço, passou a
considerar o ex-presidente Lula um bem-sucedido expoente da
“social-democracia”, até o naufrágio das políticas populistas e, é
claro, a revelação dos esquemas de corrupção. Hoje, Wolf vê com
ceticismo os prognósticos para o Brasil, onde o cenário de polarização
é, segundo ele, trágico. “É temerário que o brasileiro tenha perdido a
confiança em todos os políticos, porque essa percepção abre espaço para
outsiders e neófitos cuja incompetência é, em geral, muito danosa”,
disse a VEJA. Um candidato de centro, segundo Wolf, seria a solução,
ainda que o mundo passe por uma crise de governos moderados. “O centro
falhou em entregar políticas que melhorassem o bem-estar da população.
Daí o surgimento de reações tão contrárias à moderação, como o Brexit.
Ao mesmo tempo, na França, houve Emmanuel Macron, o que dá certa
esperança de que o centro conseguirá recuperar seu espaço.” A seguir,
sua entrevista.
Na
última década o senhor tem sido um crítico ferrenho da condução da
economia brasileira. Com a perspectiva de retomada mostrada pelos mais
recentes indicadores, sua opinião mudou? Minha visão de médio e
longo prazos para o Brasil continua pessimista. Nos últimos quinze
anos, que foi um período na maior parte governado por Lula e Dilma,
houve uma grande frustração. Lula herdou um país nos trilhos, com uma
trajetória de estabilidade e pronto para decolar. No início de seu
governo, fez coisas boas, sobretudo nas políticas fiscal e monetária,
controlando gasto público e sendo cauteloso com a inflação. Mas
rapidamente perdeu a mão. E olhe que aqui só estou falando dos erros na
economia. O atual presidente, Michel Temer, tem tentado ir na direção
das reformas. Mas ele não consegue completar seu trabalho porque não tem
legitimidade para aplicar medidas muito drásticas, já que não foi
eleito. É preciso um novo presidente com capital político para fazer as
reformas de que o Brasil precisa há pelo menos duas décadas e que pouco
avançaram nesse período.
O senhor acha que uma mudança de governo terá o potencial de alterar o curso da economia a curto prazo?
Depende do governo. A melhora atual é cíclica, o que é bom. Mas os
problemas de longo prazo continuam no mesmo lugar, esperando para ser
resolvidos. Não se pode esquecer que a economia passou por uma grande
recessão, com queda real de 9% na renda per capita em apenas três anos,
que a situação fiscal é insustentável e que um escândalo de corrupção
tragou alguns dos principais empresários do país, justamente do setor
que afeta diretamente o crescimento, que é a construção civil. É preciso
abrir a economia, que ainda é relativamente fechada, fazer a reforma
tributária, uma reforma trabalhista de verdade, investir mais em
infraestrutura e criar políticas públicas que aumentem a poupança
privada. Como parte da reforma fiscal, é necessário mudar as
aposentadorias para controlar a previsão de gastos do governo no futuro.
Talvez a criação de um modelo de poupança para a aposentadoria possa
ser a saída para ajudar na parte fiscal e elevar o nível da poupança
nacional. O trabalho é grande, e eu não estou nem um pouco certo de que
um próximo presidente estará apto a fazê-lo. Esse segundo colocado nas
pesquisas, Bolso… Qual é mesmo o nome dele?
“Bolsonaro me parece completamente maluco. Perto dele,
Donald Trump beira a normalidade e até mesmo a serenidade.
É alguém que
não tem noção do que significa governar”
Bolsonaro? Isso, Bolsonaro. Ele me parece
completamente maluco, alguém capaz de destruir o país completamente.
Perto dele, Donald Trump beira a normalidade e até mesmo a serenidade,
eu diria. Trata-se de alguém que não sabe o que diz e que parece não
ter noção do que significa governar. Essa perspectiva é algo muito
trágico e muito triste, pois significa uma grande perda de potencial,
sobretudo no caso do Brasil, que tem recursos abundantes, colossais. É
uma pena.
Com o intuito de se aproximar do mercado, Bolsonaro escalou um time econômico liberal. Isso ajuda?
Ajuda a parecer mais sério, mas não resolve. Tudo dependerá de quem
cuidará da política econômica depois da eleição. Antes disso, só há
promessas. Mas a verdade é que o Brasil poderia, com uma gestão correta,
pavimentar um caminho sustentável para a retomada, com as contas mais
saudáveis e os juros sob controle, além de mais emprego. O problema é
encontrar um indivíduo capaz de fazer isso e convencê-lo a se
candidatar.
O senhor não vê essa perspectiva em nenhum dos atuais candidatos?
Eu conheço pouco do currículo e do trabalho desses candidatos. Apenas
vejo Lula em primeiro lugar e o segundo ocupado pelo senhor sobre o qual
falamos. E Lula em primeiro lugar não é menos trágico que Bolsonaro em
segundo. Ou seja, as perspectivas são tristes, pois há um grande fator
de instabilidade política quando falamos do Brasil. O país, agora, é
imprevisível. E não era assim. As duas maiores vitórias do governo de
Fernando Henrique Cardoso foram a estabilidade econômica e a
previsibilidade política. A má condução da economia e a corrupção
reverteram esse caminho. A única coisa estável hoje em dia é a política
monetária, com a inflação sob controle e os juros em queda, o que, em
grande parte, é resultado do bom trabalho do Banco Central.
“Hoje a direita tem dado origem a mais exemplares
populistas do que a esquerda. São líderes hostis à globalização e a
qualquer coisa que interfira no discurso nacionalista”
A prisão de Lula tem o potencial de atenuar a polarização e, consequentemente, a instabilidade?
Tenho dúvidas. É temerário que, por culpa de fatos como esse, o
brasileiro tenha perdido a confiança em todos os políticos. Essa
percepção abre espaço para outsiders e neófitos cuja incompetência é, em
geral, muito danosa para qualquer país.
A prisão ao menos atenua o sentimento de impunidade?
Tive reações conflitantes em relação à prisão. Ao mesmo tempo que
fiquei impressionado com o êxito da Justiça brasileira em condenar um
político tão importante e carismático, o fato de que esse mesmo
indivíduo seja culpado desses crimes me deprime. Acho inacreditável que
um homem em quem tantos brasileiros acreditaram e depositaram seu voto —
eu mesmo acreditei —, e que teve enorme oportunidade de fazer uma
transformação para melhor em um país, tenha terminado onde está. Pior: e
ainda querendo ser presidente novamente. Seria ridículo se a Justiça
brasileira permitisse uma candidatura nessas condições. Lula já teve seu
tempo e não solucionou os problemas. Ele não é o futuro. Ele é o
passado que falhou. E, preso, dificilmente conseguirá fazer um sucessor
que herde todos os seus votos. É preciso alguém novo, mais alinhado ao
centro, que contemple os anseios da população e tenha legitimidade para
empreender as reformas que são fundamentais.
Quais características deve ter esse político de centro?
Credibilidade. Que não seja visto como corrupto e tenha capacidade de
execução. Afora esse candidato, seria preciso uma nova leva de políticos
no Legislativo aptos a construir uma legislação mais moderna e
dinâmica, e que dê segurança jurídica ao investidor, além de um
Executivo de melhor qualidade com autoridade para pôr em prática as
reformas, sem aumentar impostos, que já são um fardo tão grande para a
população brasileira. Esse político também precisa colocar o Brasil no
caminho da inovação, reduzindo sua dependência das commodities. Mas,
como eu disse em minha última coluna sobre o Brasil, é muito difícil
mudar o rumo a médio prazo. Não é impossível. Mas requer muita vontade e
pouco compromisso com a reeleição.
Muitos políticos centristas foram afetados pela Lava-Jato, o que prejudica o fator “credibilidade”.
Em certa medida, sim. Mas isso não significa que o centro deixou de
existir e que dali não possa surgir alguém novo e limpo de acusações. O
Brasil, por ser um país enorme e com muita desigualdade, requer um
modelo de governo não populista de centro-esquerda, uma
social-democracia, que foi imensamente atingida nesses escândalos de
corrupção, em todas as suas nuances partidárias. No mundo, mesmo sem o
fator Lava-Jato, o centro também falhou em entregar políticas que
melhorassem o bem-estar da população. Daí o surgimento de reações tão
contrárias à moderação, como o Brexit. Ao mesmo tempo, na França, houve
Emmanuel Macron, o que dá certa esperança de que levará tempo mas o
centro conseguirá recuperar seu espaço.
O fracasso da esquerda em alguns países, como o Brasil, também acabou nocauteando o centro de forma geral?
Sim. Tornou mais difícil essas candidaturas e, mais que isso, estimulou
o populismo. As pessoas aderem a ele não por ideologia, mas porque
acabam acreditando que aquele indivíduo que fala exatamente o que elas
querem ouvir mudará a vida delas. Trump é o exemplo perfeito de
populismo de direita, enquanto Hugo Chávez e, agora, seu sucessor jogam
no lado do populismo de esquerda. Obviamente os resultados são
distintos, mas a dinâmica é a mesma, de estimular o nacionalismo e
prometer resolver todos os problemas com soluções simples, o que, todos
nós sabemos, é impossível. Hoje, a direita tem dado origem a mais
exemplares populistas que a esquerda. São líderes hostis à globalização e
a qualquer coisa que interfira no discurso nacionalista. As pessoas
toleram, mesmo sabendo que o nacionalismo desmedido nunca as levou a um
bom lugar.
Em todos os países do chamado grupo dos Brics, em geral, a situação política não é muito animadora.
Esse desequilíbrio pode ter sido causado porque as democracias mais
jovens não souberam lidar com o crescimento? É muito difícil compararmos
os Brics entre si, porque são economias muito diferentes e que vivem
momentos completamente particulares. O que está acontecendo
politicamente na China, no Partido Comunista, não tem necessariamente a
ver com o que vive o Brasil, nem com o que ocorre na Rússia. É certo que
todos estão enfrentando problemas, e talvez a Índia seja uma exceção,
mas são questões muito mais relacionadas à política interna do que a um
padrão de comportamento entre os emergentes em si em resposta aos
acontecimentos da economia mundial. Jim O’Neill, que criou esse
acrônimo, é meu amigo. Mas não acho que ele algum dia teve grande
serventia para nos ajudar a analisar esses países. O conceito de Brics
foi passageiro e, para mim, não existe mais.
Publicado em VEJA de 16 de maio de 2018, edição nº 2582
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(Gian Marco Castelberg/13Photo/.)
Fonte: https://veja.abril.com.br/revista-veja/o-brasil-ficou-imprevisivel/
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