Lya Lyft*
Com alguma frequência, pedem-me que fale
ou escreva sobre famílias em transformação. Muita dor, angústia, medo e
confusão nascem com essa ideia e essa realidade, pois até mudanças boas
trazem inseguranças. Nem todas são as da borboleta emergindo, bela e
livre, do casulo de alguma opressão: algumas são explosões de vulcão e
borrifos de lava derretida que nos destroem ou marcam para sempre.
Está na moda falar em "transformação, mudança", com tom
de orgulho - como se mudar fosse sempre positivo. No olho do furacão,
não há muito tempo para raciocinar, e qualquer coisa, qualquer conceito,
ainda que fake (estamos falando em modismos), nos dá algum conforto.
Aliás, vicejam receitas: os "ter de" e "faça assim", mostrando nossa
servidão a vários senhores e modelos.
A "nova família" sendo uma realidade em tantos casos, o
sensato é assimilar: família já não é necessariamente a de pai, mãe,
filhos, avós, tios e todo o cortejo, mas pode incluir a namorada do pai,
o namorado da mãe, meios-irmãos que vêm junto com os novos
relacionamentos - sem falar em famílias com duas mães e dois pais. "Tudo
o que é humano me diz respeito", dizia o dramaturgo romano Terêncio, e
tinha razão. Sobretudo quando se trata de sentimentos.
Vivemos tempos difíceis e vertiginosos, crianças e
jovenzinhos, os mais vulneráveis, debatendo-se numa sociedade agitada,
superinovadora, cheia de seduções, às vezes violenta, e preconceituosa.
(Vejamos o detestável "politicamente correto", que quer excluir todos os
que pensam diferente. Onde a independência, a liberdade de pensar e
ser?)
Recentemente, assisti a um documentário sobre um tema
tabu e terrível: suicídio de adolescentes, realidade amarga para
emergências e hospitais, profundamente trágica para as famílias. Por que
se matariam os jovenzinhos? Nem sempre, ou até raramente, por uma
tragédia pessoal. Muitas vezes, algo mais amplo, mais vago e não menos
pungente: solidão, falta de limites sentida como desinteresse, sem
regras que signifiquem aconchego e abrigo, não importa se com pai e mãe,
dois pais, duas mães, ou alguém solteiro. A diferença não está no
gênero, mas na qualidade e quantidade de afeto, de colo, de escuta, de
exemplo e serenidade, de firmeza.
Não é simples orientar os filhos: são incontáveis as
possibilidades de vida e até profissão que se abrem para eles. Mas,
atenção: a velha frase "quem ama cuida" é eterna. Não oprimir, não
criticar demais, nem se neurotizar, mas estar presente, ser interessado,
num ambiente de alegria e amor, respeito e ordem. Para crianças e
adolescentes, o mundo ainda é informe: nós, adultos, temos de lhes dar
algum sentido, vivendo, estimulando, com carinho apesar das naturais
discordâncias ou brigas.
Voltando ao terrível assunto: raramente há culpados
diretos quando um adolescente se mata. A dura verdade é que, se temos
filhos, somos responsáveis; o trágico é que existem limites. Somos todos
uns pobres seres humanos querendo fazer o melhor. Nem sempre podemos.
Nem tudo dos nossos filhos podemos prever, conhecer ou entender. Como
escreveu meu poeta preferido, Rilke, "a alma do outro é uma floresta
escura": isso inclui todos aqueles que amamos.
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* Escritora. Tradutora. Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=92664de43e5721bc5c0cfd1c31f08f30
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