"Se a esse fato acrescentarmos os templos,
os monumentos sagrados, os
palácios episcopais,
os monastérios, as propriedades e
a quantidade de dinheiro
que tudo isto move
e necessita, a pergunta que se coloca é inevitável:
esta
enorme estrutura tem algo a
ver com o que Jesus fez e disse?"
"A comunidade dos crentes em Jesus ficou quebrada e dividida. O
'clero' (que é uma minoria) impõe suas ideias e detém os poderes sagrados. O
'laicato' (a grande maioria) se vê obrigada a se submeter aos 'homens
consagrados'. Se a esse fato acrescentarmos os templos, os monumentos sagrados,
os palácios episcopais, os monastérios, as propriedades e a quantidade de
dinheiro que tudo isto move e necessita, a pergunta que se coloca é inevitável:
esta enorme estrutura tem algo a ver com o que Jesus fez e disse? E mais: se
pode pensar razoavelmente que todo este solene enredo irá evoluir até se
parecer com a simplicidade, a pobreza e a condição humilde em que Jesus viveu,
tal como é apresentado no Evangelho? É evidente a contradição entre 'o que se
vive' e 'o que se diz'. Assim, pode ter 'credibilidade' quem vive em semelhante
contradição?", escreve José María Castillo,
teólogo espanhol, em artigo publicado por Religión Digital, 22-01-2019.
A tradução é de Graziela Wolfart.
Eis o artigo.
Segundo o dicionário de RAE (Academia Real Espanhola),
entende-se por "clero" a classe sacerdotal na Igreja católica.
Enquanto que o "clericalismo" é,
segundo o mesmo dicionário, a intervenção excessiva do clero
na vida da Igreja.
Levando em consideração estes dois conceitos, compreende-se que tenha
quem proponha, para renovar a Igreja e atualizá-la, a supressão do clericalismo.
Porque, se a intervenção do clero, na
vida da Igreja, é "excessiva", o lógico seria controlar esse excesso
clerical, para que os leigos não fiquem reduzidos à mera submissão e
observância do que os clérigos mandam. Desta forma, os seculares, que são a
imensa maioria dos cristãos, ficam na Igreja com a única missão de se submeter
ao que pensam, decidem e impõem os clérigos (cf. F. Vidal, em Vida Nova
digital.com: "Decálogo para suprimir o clericalismo").
A razão desta proposta é clara: se as coisas continuarem na Igreja como
estão, os crentes (não "ordenados" como sacerdotes) se verão
reduzidos à mera condição de ser a "clientela do clero". Ou
seja, os cristãos estarão sempre à mercê do que os bispos, os padres e os
"homens de Igreja" em geral dispuserem, a partir de suas ideias e
seus interesses, que, como sabemos, podem estar, em não poucos casos e em temas
importantes, talvez bastante afastados do que pensam, sentem e vivem os mortais
comuns.
Além disso, este assunto se complica se ao que foi dito acrescentarmos
que a teologia, a liturgia, as cerimônias, as normas, o que se pode e se deve
fazer em assuntos determinantes na vida, tudo isso, está mais de acordo com o
que se pensava, se dizia e se fazia na Antiguidade e na Idade Média,
do que com o que pensamos, nos interessa e temos que resolver no século XXI.
Não é mais preciso ir à missa que se celebra em determinadas igrejas,
confessar-se com este ou aquele sacerdote, ou assistir a casamentos e batizados
nos quais as pessoas têm que ouvir coisas que deixam qualquer um nervoso. Ali,
a linguagem, as vestimentas, as cerimônias, os assuntos comentados e as
soluções propostas são coisas que não se entendem. E se é que se entendem, não
interessa aos espectadores.
Costuma-se dizer que a raiz destes problemas está no "clericalismo". Daí, a
necessidade de superá-lo. O que é verdade. Mas essa não é toda a verdade.
Porque se analisarmos este assunto mais a fundo, logo veremos que o problema não está no
"clericalismo", mas no "clero".
Com efeito, o termo grego "klêros" é utilizado, no Novo
Testamento, quando se relata a escolha de Matias para substituir Judas
(Atos 1, 17. 26). Para designar os sacerdotes, se generalizou no século
III o título e a categoria de "clérigos", como distintos e superiores
aos "leigos". Assim, a Igreja ficou dividida: o "clero"
monopolizou a capacidade de tomar decisões, o poder para administrar os rituais
sagrados e a dignidade de serem os "homens consagrados". Com o perigo
inevitável de que não poucos "homens de Igreja" começaram a ver, no
ministério eclesiástico, uma maneira de se estabelecer na vida e inclusive de
alcançar uma categoria senhorial (Y. Congar).
Compreende-se que, já antes de Constantino, se difundiu o tratado
"De singularitate clericorum", que combatia os abusos de pompa
e vaidade de vários ministros da Igreja (J. Quasten). E, infelizmente,
esta tendência (com o passar dos séculos) foi aumentando. Até converter o
"seguimento de Jesus" em uma "carreira de dignidade", para
se situar (talvez sem pensar) nos altos níveis da sociedade.
"É evidente a contradição entre "o que se vive"
e "o que
se diz". Assim, pode ter "credibilidade"
quem vive em semelhante
contradição?"
Assim, a comunidade dos crentes em Jesus ficou quebrada e dividida. O
"clero" (que é uma minoria) impõe suas ideias e detém os poderes
sagrados. O "laicato" (a grande maioria) se vê obrigada a se submeter
aos "homens consagrados".
Se a esse fato acrescentarmos os templos, os monumentos sagrados, os
palácios episcopais, os monastérios, as propriedades e a quantidade de dinheiro
que tudo isto move e necessita, a pergunta que se coloca é inevitável: esta
enorme estrutura tem algo a ver com o que Jesus fez e disse? E mais: se pode
pensar razoavelmente que todo este solene enredo irá evoluir até se parecer com
a simplicidade, a pobreza e a condição humilde em que Jesus viveu, tal como é
apresentado no Evangelho?
É evidente a contradição entre "o que se vive" e "o que
se diz". Assim, pode ter "credibilidade" quem vive em semelhante
contradição?
Me dói ter que dizer estas coisas. Porque tudo o que sou e tudo o que
sei devo à Igreja. E é por isso, pelo bem que quero à Igreja, que não posso me
calar diante das contradições que tanto mal lhe causam.
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Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/586260-castillo-o-clero-e-o-clericalismo-esta-enorme-estrutura-tem-algo-a-ver-com-o-que-jesus-fez-e-disse 23/01/2019
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