José de Souza Martins*
"O rentismo gera lucros
fáceis, mas não gera participação social e democrática. Enriquece alguns e
empobrece muitos.
Põe em risco a reprodução capitalista do capital.
É o pai do
autoritarismo e das ditaduras.
Inimigo da pátria e da sociedade.
É a direita."
Membros e
adeptos gratuitos do novo governo têm se manifestado em defesa da propriedade,
em governos anteriores supostamente ameaçada pela esquerda. É manifesto
desconhecimento do assunto imaginar que a esquerda é um bloco político e não um
elenco de convergências ideológicas eventuais, desacordos e contradições.
Mesmo em
relação à reforma agrária. Se a esquerda fosse um bloco, o atual governo seria
outro. Em diferentes países, a reforma agrária foi e tem sido providência
contra o monopólio da terra pelo estamento senhorial do antigo regime e seus
remanescentes. Pois bloqueiam o desenvolvimento do capitalismo com o
parasitismo da renda fundiária e impedem a expansão do mercado interno, de que o
capitalismo carece.
Uma das
confusões do momento político brasileiro é a relativa à questão agrária e a
decorrente política de reforma agrária. São superficiais as opiniões sobre
temas sociais no Brasil. Desconhecem que a reforma agrária brasileira, com as
alterações e ajustamentos que foram necessários, foi definida e implantada pelo
regime militar de 1964. Fora concebida no Instituto de Pesquisas e Estudos
Sociais (Ipes), dirigido pelo general Golbery do Couto e Silva, que seria
reconhecido como o teórico do regime surgido com a queda de João Goulart.
Resolver a questão agrária era e é uma questão política porque é uma questão de
segurança nacional.
Há pouco
tempo, quando ainda candidato, o atual vice-presidente da República, general
Hamilton Mourão, maçom, em palestra no Rio de Janeiro para os membros de duas
lojas da maçonaria, em alusão à exclusão social, referiu-se à "questão da
propriedade, não só intelectual, mas a propriedade da terra, a propriedade
urbana. Isso dignifica a família nessas nossas comunidades. Se você entregar o
título de propriedade, você traz aquela pessoa para o sistema capitalista. Isso
muda a maneira de pensar".
O nome do
que preconiza o general é reforma agrária, meio de conter a irracionalidade
econômica de um capitalismo rentista, nocivo à expansão do capitalismo
propriamente dito, o da produção e não o da especulação. O rentismo gera lucros
fáceis, mas não gera participação social e democrática. Enriquece alguns e
empobrece muitos. Põe em risco a reprodução capitalista do capital. É o pai do
autoritarismo e das ditaduras. Inimigo da pátria e da sociedade. É a direita.
O regime
fundiário brasileiro nasceu defeituoso, com a Lei de Terras, de 1850,
concomitante à proibição do tráfico negreiro e a possibilidade do fim próximo
da escravidão. O escravo era a garantia dos empréstimos hipotecários de que
dependiam os grandes fazendeiros.
A terra
não cumpria essa função. Passou a cumpri-la quando, com essa lei, o Estado
brasileiro abriu mão do senhorio do território e das funções econômicas e
sociais da terra e da natureza em favor dos proprietários privados. O oposto do
que aconteceria pouco depois nos EUA, que abriram o acesso às terras novas do
Oeste à livre ocupação de colonos livres para conter a possibilidade da
expansão territorial da economia escravista do Sul e o consequente
comprometimento do capitalismo do Norte. Por isso, eles são o que são e nós
somos o que somos.
A
referência do general pode ser uma ressalva à concepção vulgar de que aqui o
direito de propriedade é um direito absoluto. A Constituição Brasileira
reconhece o direito de propriedade da terra como um direito condicional,
precedido pela função social da propriedade. Já era assim na Constituição de
1946, com a proclamação do direito de igualdade no acesso à propriedade e
várias restrições ao direito absoluto de propriedade.
Constituição
que, aliás, limitou o direito de propriedade ao solo e dele excluiu o subsolo.
Em 1934, o Código de Águas já excluíra expressamente da propriedade privada as
águas de uso comum. Com o tempo, outras medidas, de governos "de
centro", impuseram novas exceções e limitações ao direito de propriedade,
como no caso dos territórios indígenas, o das reservas florestais, a do
patrimônio histórico. Uma forma de proteger o patrimônio imaterial e o
ambiental da nação.
Algumas
ameaças a essas lentas conquistas de restituição da soberania do território ao
poder do Estado estão postas na agenda de possíveis, arriscadas e regressivas
"inovações" no âmbito territorial. Uma delas, a decisão de separar a
condição propriamente étnica dos índios de suas referências territoriais,
deixando-os sob tutela do Ministério da Família e as terras indígenas sob a do
Ministério da Agricultura. Outra é a de paralisar a reforma agrária, o que
destrói um capital cultural e agrícola que historicamente foi e tem sido
responsável pela prosperidade agrícola do Sul e do Sudeste do país.
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* José de
Souza Martins é sociólogo, membro da Academia Paulista de Letras e autor de Uma
Sociologia da Vida Cotidiana (Contexto), dentre outros. Escreve neste espaço
semanalmente
Fonte: https://www.valor.com.br/cultura/6084979/terra-e-seguranca-nacional 25/01/2019
Fonte: https://www.valor.com.br/cultura/6084979/terra-e-seguranca-nacional 25/01/2019
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