Mario Sabino*
Na posse como presidente da república, Jair Bolsonaro disse que aquele
era “o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo, da inversão de
valor, do gigantismo estatal e do politicamente correto”. Colunistas não
gostaram especialmente da menção ao socialismo, sob o argumento de que o país
nunca foi socialista.
Na minha visão simplista, entendi que Bolsonaro estava falando da
ideologia socialista continuamente martelada em escolas e meios de comunicação.
Ideologia que ajudou a compor essa mentalidade avessa ao capitalismo que
permeia as nossas relações políticas e econômicas desde o fim da República
Velha, pelo menos, por influência dos tenentes então dirigidos por Moscou – e que
ganharia força depois do Estado Novo, com a imbricação do populismo getulista
com o sindicalismo tentacular do qual o próprio Getúlio Vargas lançara as bases
como ditador. Sindicalismo tentacular que, por sua vez, aplainaria o terreno
para o surgimento do PT, em 1980.
Os colunistas que se irritaram com a menção ao socialismo feita por Jair
Bolsonaro argumentaram que, sob o PT, o Brasil havia sido liberal na economia.
Lula seria apenas um social-democrata, segundo eles, apreciação que imagino
deva ter desgostado muito José Dirceu e Fernando Haddad. Para ilustrar,
disseram que os grandes bancos nunca lucraram tanto como sob o lulopetismo.
Bem, na minha visão simplista, não acho que o oligopólio bancário que temos no
Brasil seja exemplo de capitalismo.
Ao ler os colunistas, lembrei que a social-democracia lulopetista foi
contra o Plano Real e as privatizações. E, depois de instalada no poder, tentou
controlar a imprensa e criou conselhos para domesticar a magistratura
independente ( a parte visível do projeto de perpetuação no poder; a invisível seria
descoberta com o mensalão e o petróleo). Para não falar de como o partido do
Comandante Máximo usou da sua base sindical e dos tais movimentos sociais para
impedir quaisquer tentativas de modernização nas relações de trabalho urbanas e
agrárias. Sim, além de todo o intercâmbio com as ditaduras socialistas de Cuba
e Venezuela.
Entre as recordações que sobrevieram enquanto ia lendo os colunistas,
houve lugar também para uma passagem de minha vida profissional sobre a qual
tirei conclusões possivelmente superficiais. Abordei-a em 2016, no artigo que
reproduzo a seguir, intitulado “PT: a democracia como valor monetário”.
Ei-lo:
Em 1990, passei uma experiência curiosa e esclarecedora: editei a
revista Teoria & Debate, do PT. Tinha 28 anos, estava desempregado e um
amigo me convidou para esse trabalho. Eles não precisavam de um petista –
jamais fui simpatizante do partido ou filiado –, mas de um jornalista que soube
editar. Recém-casado, durango, aceitei o convite.
Era um estranho no ninho, mas fui bem recebido. Tanto que continuei a
editar a Teoria & Debate, na condição de freelancer, por mais algum tempo,
mesmo depois de empregado na Istoé.
Lia aqueles artigos extensos, escritos numa língua próxima ao português,
e procurava lhes dará alguma sintaxe na sua falta de sentido intrínseco e
extrínseco. Eu dizia que não era possível que eles ainda acreditassem em “luta
de classes” e minhas observações eram ouvidas com sorrisos condescendentes.
Fazia piadas sobre a “redenção da classe operária” e eles riam. Eu colocava
poesias de grandes autores na quarta capa e eles aceitavam.
Eles, no caso, eram o baixo clero da máquina do partido com quem eu
lidava no cotidiano. Meu contato com o alto clero – os intelectuais petistas,
integrantes do conselho editorial da revista – era esporádico. Vez por outra,
havia uma reunião para definir a pauta e o meu papel era escutar calado o que
discutiam.
Lembro que uma questão aparentemente não superada pelo PT naquele
momento era a democracia seria um “valor estratégico” ou um “valor universal”.
Traduzindo: se aceitar as regras democráticas consistia, implodir a coisa toda,
a fim de instituir a “ditadura do proletariado”- ou se era possível
revolucionar a sociedade dentro da moldura estabelecida institucionalmente pela
“burguesia”.
O contexto mundial era a da recente queda do Muro de Berlim e o esfacelamento
do que os petistas chamavam de “socialismo real” no Leste Europeu ( uma
distopia que queriam fazer renascer como utopia).
Passados quase trinta anos, constato que, para o PT, a democracia sempre
foi um valor monetário. Uma vez no poder, o PT tentou apodrecer a democracia
para enriquecer ilicitamente a casta dirigente do partido. Uma vez no poder, o
PT tentou putrefazer a democracia para desgovernar o país por meio da compra de
aliados circunstanciais. Uma vez no poder, o PT tentou ulcerar a democracia
para conquistas votos através da distribuição de migalhas a pobres
desassistidos eternizados como pobres assistidos.
Em resumo, o PT raspou os bigodes stalinista e trotskista para tascar um
bigodão sarneyzista no discurso socialista.
Volto ao Jair Bolsonaro da posse. Não sei se o governo dele vai dar
certo ou não e decididamente não gosto de certa fauna que o cerca. Mas concordo que é preciso se libertar das
amarras do socialismo. No Brasil, o socialismo é um sistema mental que vem nos
inviabilizando há um século. É a minha visão simplista.
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*Jornalista. Escritor.
Fonte: https://crusoe.com.br/edicoes/36/o-socialismo-e-um-sistema-mental/
04/01/2019
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