Lya Luft*
Sou uma avó que às vezes fala palavrão. O
que chamo de palavrões honestos, não obscenos nem nojentos (para mim,
claro). Falava-se palavrão eventualmente na minha família, em alemão ou
português. Tipo "m..." quando se dava uma topada numa pedra, ou quando
se deixava cair um copo de vidro. Nada grave. Nem éramos santos nem
selvagens grosseiros: na linguagem éramos, somos, eu sou, naturais.
Volto ao assunto "palavras" porque, como todo colunista
que por sinal vive delas - faço isso há muuuuuito tempo -, cada vez que
escrevo e publico boto a cara na janela para que as pessoas mandem
beijos ou joguem um ovinho. Cru. Podre, não, por favor. A gente de tal
modo se acostuma, que não dá muita bola quando for crítica razoável,
muita bola quando é séria, portanto me alerta e me ilumina, zero bola
quando for tolice.
Meu desgosto pelo termo "feminicídio" provocou várias
concordâncias e algumas discordâncias: que decepção, a senhora aprova o
feminicídio? Tive de ler e reler para entender do que se tratava. Pois
eu tinha falado, e esclarecido, que implicava com o termo e não defendia
o fato... Precisava, aliás, explicar?
Aqui devo recorrer a outra palavra que não aprecio, mas
eventualmente uso (não é palavrão mas parece...) e tem utilidade como
feminicídio tem. Chama-se "tresler". Ler errado, ler falhado, confundir
as coisas.
Eu não sou a favor de feminicídios, nem de matar
homens, velhos, crianças, animais. Até o filezinho na mesa começa a me
dar uns grilos na consciência, mataram um pobre bicho... Ainda não sou
vegetariana, mas aprecio quem é. E não tenho nada com o que os outros
comem.
Tenho, sim, muito a ver com ser entendida dentro do
possível. A invenção da palavra "feminicídio" demonstra mais uma vez o
quanto nós, mulheres (pelas quais escrevo e falo e brigo há também
muuuuuito tempo), ainda precisamos afirmar nosso valor e nossa
existência, e isso me entristece um pouco.
Também implico com algumas cotas: devia haver, sim,
para todos, cotas e bolsas financeiras para evitar que os mais pobres
não entrem nas universidades... não por serem menos inteligentes ou
estudiosos, mas por terem poucos recursos. Isso não quer dizer que sou
contra negros, índios, ou seja lá quem for, entrarem nas universidades:
ao contrário, gente!!! Mas nessa polêmica não entro porque estou meio
entediada, porque faz calor demais, porque vou terminar uma tela que
precisa de mais luzes, porque vou continuar lendo o excelente 21 Lessons
for the 21th Century, do Harari (já existe em português), e porque me
dou licença para não parecer simpática, inteligente e sábia.
Às vezes, só quero, e preciso, disso que a idade vai me
dando generosamente: sossego, silêncio, afetos, bons livros, música
fascinante, bons documentários, bons filmes, até mesmo (licença, por
favor, de não ler só Goethe e Hegel ou ver só cinema cult) as séries
policiais que me fascinam pela inteligência, sutileza e dramas humanos
nos interstícios. (Ah, pra saber o que é isso, basta googlar.)
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* Escritora.
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=cfd732e1436558d24d1674f1337d7180 - Acesso 21/01/2019
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