Luis Fernando Veríssimo*
Santo Agostinho escreveu que, entre as tentações do homem, nenhuma
era mais perigosa do que a "doença da curiosidade". Era ela que nos
levava a tentar descobrir os segredos da natureza, "que estão além da
nossa compreensão, que em nada nos beneficiarão e que o homem não deve
saber". Em outras palavras, o mesmo conselho que Deus deu a Adão e Eva
no Paraíso, advertindo-os a não comer o fruto da árvore do saber para
não contrair a doença. Eva - sempre elas - não se aguentou e comeu o
fruto proibido. Resultado: perdemos o paraíso da ignorância satisfeita e
estamos, desde então, tentando descobrir que diabo de universo é este
em que nos meteram, esta bola girando entre outras bolas num espaço
imensurável, sem manual de instrução. Santo Agostinho e outros tentaram
nos convencer a aceitar os limites da fé como os limites do
conhecimento. Tentar compreender mais longe só nos traria perplexidade e
angústia e nenhum benefício. Mas a doença da curiosidade já estava
adiantada demais.
A fase mais aguda da doença chegou com a inauguração,
há 10 anos, num subterrâneo na fronteira da Suíça com a França, do tal
acelerador gigante que jogaria prótons contra prótons em condições
inéditas para tentar reproduzir a origem do mundo, liberar uma partícula
subatômica que até então só existia em teoria e chegar mais perto de
descobrir como funciona o universo. Quer dizer, os descendentes de Adão e
Eva pretendiam levar a rebeldia do casal ao máximo e espiar por baixo
do camisolão de Deus. Mas 10 anos e alguns bilhões de dólares depois,
fora a importante descoberta da subpartícula presumida chamada bóson de
Higgs, o acelerador não tem muito a festejar no seu 10º aniversário. Não
vieram o prometido redimensionamento do espaço, a explicação dos
buracos negros, revelações sobre a origem de tudo. Etc.
Quanto mais se sabe sobre o funcionamento do universo
mais aumentam a perplexidade e a angústia das quais Santo Agostinho quis
nos poupar. Pois não se pode compreender tudo - pelo menos não com este
cérebro que mal compreende a si mesmo.
Mas os efeitos da fruta proibida ainda são fortes. E a doença da curiosidade não tem cura.
--------------* Jornalista. Escritor.
Fonte: ZH: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=c680a9953caa17631c79b966c3139467
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