Juremir Machado da Silva*
Há pessoas que sentem arrepios quando
ouvem ou leem a palavra intelectual. Surtam com citações. Acham tudo
isso muito chato. Especialmente se forem ideias e intelectuais
franceses. Nacionalidades não têm a menor importância quando se trata de
pensamento. Se alguém diz que para Kierkegaard o que falta a nossa
época é a paixão, não a reflexão, não é preciso conhecer a nacionalidade
do filósofo para entender o que foi dito. Se a pessoa quiser mais
informações, vai ao google. Ou aos livros. O saber não deve causar medo,
inveja ou ressentimento. Não é uma agressão. Há uma batalha de ideias
em curso. De um lado, os antiglobalistas. De outro lado, os que devem se
defender por alguma razão teórica ou não.
É uma espécie de nova guerra entre “antigos” e “modernos”. Um dos
intelectuais de referência dos novos conservadores é um velho conhecido
dos místicos, esotéricos e tradicionalistas, o francês René Guénon
(1886-1951). Guénon foi um ocultista fervoroso que se converteu ao
islamismo e foi morar no Cairo em busca de uma atmosfera mística. A sua
vasta obra tem três obsessões: desejo de metafísica, de transcendência,
de transfiguração mística; ojeriza ao materialismo e ao individualismo
modernos; atração por sabedorias tradicionais orientais. Para ele,
existe uma verdade eterna que unifica as religiões, o que aparece na
“escola perenialista”, na “filosofia perene”. O grande intelectual
italiano Umberto Eco gastou, no seu monumental livro “Os limites da
interpretação”, um capítulo para refutar ideias do homem. O ministro das
Relações Exteriores, Ernesto Araújo, recomenda a leitura das obras
tradicionalistas de René Guénon.
Outro discípulo de Guénon é Steve Bannon, marqueteiro
ultraconservador de Donald Trump. Adeptos de entidades secretas e de
mistérios espirituais, René Guénon deu-se por missão em certo momento
“reconstruir uma elite espiritual para o Ocidente”. As suas ideias eram
tão excêntricas que influenciaram até surrealistas. Um dos seus alvos
foi a ciência moderna. O que valia para ele era o saber tradicional.
Passou a vida lidando com símbolos, concepções do sagrado e rituais. Um
dos seus livros mais famosos é “A crise do mundo moderno” no qual
sustenta que as ciências modernas são vestígios destituídos de sentido
das ciências tradicionais. O Renascimento teria sido o começo do caos,
da quebra da hierarquia cultural que resultaria no vazio individualista
da democracia.
Para o filósofo do conhecimento tradicional “uma ideia como a da
‘igualdade’, ou do ‘progresso’, ou como os outros ‘dogmas seculares’,
que quase todos os nossos contemporâneos aceitam cegamente”, tem uma
historicidade. Não surgiu espontaneamente. Ele prega o engajamento:
“Consideramos, portanto, oportuno declarar isso ainda: há no mundo
ocidental algumas indicações claras de um movimento que ainda não está
claro, mas que pode e deve normalmente levar à reconstituição de uma
elite intelectual. a menos que um cataclismo ocorra rápido demais para
permitir que se desenvolva até o fim”. O movimento agora se pretende
cristalino. A guerra é pelo controle das mentes, dos corações e dos
bolsos.
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* Jornalista. Escritor. Sociólogo.
Fonte:http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2019/01/11501/guerra-intelectual-no-brasil/
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