Juremir Machado da Silva*
Giddens e Kadhafi
Anthony Giddens era um intelectual inglês. Sir
Anthony Giddens. Ele era conhecido por suas análises políticas, por sua
ponderação e pelo fato de recusar altos cachês para dar palestras
rápidas. Intelectuais ingleses costumam ser refinados e ter senso de
humor. Inglês. Giddens trabalhou no King’s College e em Cambridge.
Orientou o trabalho do filho de Kadhafi, que tirou nota máxima, apesar
de algumas passagens plagiadas. Pode acontecer com qualquer um. Giddens
era mais ou menos de esquerda, embora tenha escrito um livro chamado
“Para além da esquerda e da direita”, que foi rotulado, pela esquerda,
de livro de direita, e, pela direita, de livro técnico e visionário.
Giddens defendeu Kadhafi. Afirmou que o ditador líbio era pouco
perigoso e muito popular. Algo assim. Desconsiderou que se pode ser
muito perigoso e muito popular ao mesmo tempo. Acertou 50%, o que, em se
tratando de intelectuais, é uma margem bastante alta e rara. Giddens
foi cobrado por isso, o que, pelo jeito, acabou sendo muito proveitoso
para ele, pois esteve novamente em evidência. O seu erro não foi maior
do que o dos Estados Unidos nem que o dos europeus. Kaddhafi passou de
perigoso a tirano amigo em apenas quatro longas décadas. Perdeu a
oportunidade de fazer como certos técnicos e jogadores de futebol: sair
por cima na hora certa. Giddens era adorado por muitos. Eu li vários
livros dele. Nunca consegui saber qual era a novidade das suas ideias,
pressupondo-se que ele realmente as tinha.
Intelectuais costumam ser péssimos videntes, embora adorem fazer
previsões. O francês Guy Debord foi um dos poucos a acertar. Conseguiu
também 50% de aproveitamento. Errou tudo sobre o paraíso marxista que
lhe parecia uma questão de tempo. Acertou tudo sobre a “sociedade do
espetáculo”, expressão que cunhou e consagrou. Neste terreno, a sua
análise foi tão certeira que ele terminou de se desencantar com o mundo.
Suicidou-se em 1994. Deixou filmes geniais, um deles sem imagens. Quem
sou eu para dar conselhos a Giddens. Jamais me passaria pela cabeça
sugerir-lhe o suicídio. Ele não teria razão para isso. As suas ideias
não fazem mal a uma mosca. Nem bem. É aquele tipo de ideia que, de tão
correto, dá sono.
Uma das conclusões impressionantes, pela banalidade, de Giddens, no
seu livro já citado, é esta: “Não há dúvidas de que a diferença entre a
esquerda e a direita – que, de toda forma, foi contestada desde o início
– continuará a existir nos contextos práticos da política partidária”. O
titulo, “Beyond left and right”, que não parece mal traduzido, talvez
tenha sido mal escolhido. Num ponto, ele acerta: a esquerda tornou-se
defensiva. A direita foi para o ataque. Sir Anthony Giddens visitou
Kadhafi. Beijou-lhe a mão. Intelectuais são fascinados por homens de
poder. No Brasil, quando intelectuais sobem ao poder as ideias caem na
clandestinidade. Alguns chegam a pedir que suas ideias sejam esquecidas,
o que não é feito por impossibilidade lógica: ninguém lembra delas. É a
hora de Sir Anthony Giddens na sociedade do espetáculo.
*Mudei alguns verbos desse velho texto.
Hoje, tenho mais simpatias por Giddens.
Nas estrelinhas, ele acertou.
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* Jornalista. Escritor. Prof.Universitário.
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/2019/01/11499/era-uma-vez-no-mundo/
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