Mário Corso*
"Não jogue seus anseios para uma
hipotética
vida futura, construa esse amanhã desde já.
Sonhos precisam
de adubo, de cuidados.
Nada florescerá se não for cotidianamente regado."
Quando me aposentar, lerei todos os
livros que acumulei. Viajarei para inúmeros lugares. Aprenderei a tocar
um instrumento. Estudarei uma língua nova. Vou me dedicar à família, aos
amigos, a uma associação protetora de sei lá o quê.
Quantas vezes vocês já escutaram as frases do parágrafo
acima, ditas por inúmeras pessoas? O espírito dessas falas é: o tempo
livre da aposentadoria será a redenção da vida tediosa que levamos. O
sacrifício é agora, mas lá na frente será minha vez.
Essas são as promessas, mas como é na prática? Vi muita
gente conseguir inaugurar algo novo em sua vida na maturidade. Mas para
cada um dos que se reinventaram, vejo 10 deprimidos na frente da TV,
sem conseguir fazer nada do que prometeram a si mesmos. Como só sabem
trabalhar no seu ofício, estão sem missão, vagam avulsos procurando um
encaixe impossível. Como adquiriam significação apenas da identidade
profissional, sentem-se esvaziados, já não sabem quem são.
Entre aqueles que alcançaram seu sonho e os que não, a
diferença costuma ser simples: quem começou antes, quem se preparou para
o porvir é que chega lá. Aqueles que acreditaram que o "paraíso" da
aposentadoria era automático, bastava sair das obrigações e da rotina,
se dão mal.
Vejamos os leitores do futuro. É óbvio que depois de
anos afunilando o cérebro lendo Twitter e texto de Facebook, ninguém
consegue ler um livro. Depois que o cano do entendimento estreitou, não
passa nada complexo. Para suportar a arquitetura de um romance, de um
ensaio, é preciso a musculação semiótica de toda uma vida. Não se
aprende a ler de um dia para o outro, e se pode desaprender caso não
haja treino.
O mesmo com as viagens, se você não sai de casa, perde o
espírito de aventura, a curiosidade, a coragem. Viajar é uma ciência de
difícil doma. Vamos nos desafiando cada vez mais, indo mais longe,
suportando choques culturais maiores. Quem postergar as peripécias só
conseguirá passear no óbvio, junto a pessoas ainda mais óbvias.
Quem deixar para cultivar amigos e aumentar o leque de
vínculos quando tiver tempo dará com a cara no muro. A vida social não é
fácil. É a arte de decifrar olhares, de perceber as mil sutilezas, de
sacar os subentendidos, que aperfeiçoamos a cada dia, e mesmo assim
damos mancadas. Imagina quem começar tarde, a inépcia sabotará todas as
abordagens.
Caríssimos, se há algo que descobri nesta existência é
que o futuro começa agora. Quando chegar esse momento de maior
liberdade, é preciso estar treinado. Não jogue seus anseios para uma
hipotética vida futura, construa esse amanhã desde já. Sonhos precisam
de adubo, de cuidados. Nada florescerá se não for cotidianamente regado.
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* Psiquiatra
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=f975be57d54ef68347008cf4816af5f7 26/01/2019
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