Por Leandro Karnal*
Biblioteca Nacional. Foto: Fabio Motta/EstadãoResta uma ideia de lápide: “Aqui jaz Leandro Karnal, úbere dos prefácios na República do Brasil”. Escrevendo tantos, tenho esperança de não ter cavado meu epílogo
Quando somos jovens, temos algumas ideias do que desejaríamos para o futuro. Eu pensei muitas coisas para minha vida, mas jamais imaginei que me tornaria um “prefaciador”.
Tudo começou quando era docente na Unicamp. Eu orientava uma tese ou dissertação; o aluno, grato, fazia-me um convite: redigir o prefácio à pesquisa publicada. Era uma genuína felicidade ver o trabalho tão árduo converter-se em um lindo livro. Foi o começo.
Depois, exposto ao mundo, conheci muita gente. Amigos escreviam; lançavam memórias, contos e poesias. Como gesto de afeto, convidavam-me para a obra. Aceitei sempre. Eram amigos. Foi a segunda etapa.
Quando meu nome ficou mais conhecido, editoras pediam-me prefácios para autores mais jovens ou menos conhecidos, como uma maneira de dar um aval a alguém em começo de carreira. Seduziam-me com o apelo: “Num dia, você também começou e precisou de ajuda”. Solidário, fiz muitos assim. Recusei outros. Ampliava-se a função.
Surgiram, finalmente, os desconhecidos via redes sociais, pedindo textos introdutórios. Um desafio imenso: escrevo um ou dois livros por ano; elaboro duas crônicas semanais; leio muito; viajo sem cessar; dou palestras em diversas cidades pelo Brasil: não tenho todo o tempo do mundo. Em algum momento, passei a recusar os convites de pessoas que eu não conhecia. O argumento era apenas numérico: eles eram muitos; eu, um só.
Todos nos tornamos objeto vendável, como diria Zigmunt Bauman. É frequente, na capa, existir o título, o nome do autor e o selo-prefácio de Leandro Karnal. Se ajudar alguém, fico feliz. Nunca escrevi para obra que eu tenha, de fato, detestado ou discordado na essência. Já fiz texto sobre livros que eu pensaria diferente, mas registrei isso. Espero que as pessoas saibam: um prefácio mais apresenta do que endossa uma obra.
É um privilégio ler originais (alguns com marcas de revisão do autor ou da editora). A arte de escrever peças introdutórias é ser breve e evitar que se oculte a luz do autor. Ofereço uma ideia geral, aponto expansões, indico linhas e, por fim, tenho o cuidado de evitar spoilers. Já foi dito que nunca existirá um Prêmio Nobel para um crítico. Com maior certeza, não será concedido a um prefaciador. Bem... como consolo: eu também não ganharei o prêmio sueco pela minha obra. Paciência! Resta uma ideia de lápide: “Aqui jaz Leandro Karnal, úbere dos prefácios na República do Brasil”. Escrevendo tantos, tenho esperança de não ter cavado meu epílogo.
* É historiador, escritor, membro da Academia Paulista de Letras, colunista do Estadão desde 2016 e autor de 'A Coragem da Esperança', entre outros
Fonte: https://www.estadao.com.br/cultura/leandro-karnal/a-arte-de-escrever-pecas-introdutorias-e-ser-breve-e-evitar-que-se-oculte-a-luz-do-autor/ 01/10/2023
Nenhum comentário:
Postar um comentário